Resumo A obra Dom Casmurro, de Machado de Assis tem recebido grande atenção por parte da crítica. Muitos são os aspectos explorados nessa grande obra literária, entre eles, tem merecido atenção o uso que o autor faz do recurso ao dialogismo e à intertextualidade. Este artigo tem por objetivo analisar tais recursos, principalmente, no que se refere à relação deste romance com o discurso bíblico.
Palavras-Chave Intertextualidade; dialogismo; literatura.
1. A PRODUÇÃO DE TEXTOS: DA ANTIGUIDADE AOS DIAS DE HOJE Segundo Sant’Anna (2002), poetas famosos da antiguidade, como Homero e Ésquilo, fizeram da literatura o lugar da representação da vida dos homens em relação às forças da natureza, divinizadas por eles. Esses autores conseguiram pôr em ação muitos dos grandes e importantes acontecimentos que até hoje servem como alicerce para nossa literatura, e já valiam-se, sem o saber, da intertextualidade. É sabido que tais autores não se baseavam em textos escritos anteriores, pois o que havia de maravilhoso na poesia era guardado na memória daqueles que a produziram oralmente. Mais tarde, no século VII a.C., aproximadamente, é que os poetas começaram a registrar os feitos de seus heróis e deuses. Conforme Marmorare (s/data), era através dos versos que eles ensinavam a cultura da época aos cidadãos.
1 Mestre em Letras pelo Programa de Pós-Graduação em Letrasd do Centro Universitário Ritter dos Reis – Uniritter. E-mail: dudkuks@hotmail.com
Hoje, a teoria tem enfatizado, por meio de estudos e dados reais, que grande parte da literatura existente é baseada, de alguma forma, em fatos já trabalhados anteriormente, deixados por poetas famosos. Grandes escritores da literatura universal, como Camões, buscavam inspiração em obras já existentes, isto é, utilizaram-se de um intertexto. Por isso, podemos notar que, de uma maneira ou de outra, tudo o que é escrito, seja no passado ou na atualidade, antes já foi proposto por alguém. Esse processo de apropriação de fragmentos de outros textos ou obras, nos quais os autores baseiam-se, é chamado intertextualidade, e será nosso objeto de estudo.
2. INTERTEXTUALIDADE
Segundo Koch (2000), intertextualidade são pequenos pedaços de textos já existentes, fragmentos de textos alheios, que servem como base para criação de textos novos. Por isso, podemos dizer que todo o texto, de certa forma, é um intertexto, pois remete a outros textos, formando, a partir de uma espécie de apropriação ou diálogo, algo novo.
Como o intertexto faz referência a textos já existentes, podemos dividi-lo em dois tipos: o explícito, que ocorre quando o autor apresenta a fonte do intertexto, isto é, há citação clara e visível no texto novo; e o implícito, que ocorre quando a citação não está com a fonte explícita no texto, cabendo ao leitor a tarefa de identificá-lo, relacioná-lo e interpretá-lo.
A configuração do intertexto também pode ser classificada segundo diferenças e semelhanças. Koch (2000) explica que a intertextualidade com diferenças ocorre quando o autor apropria-se do texto alheio para parodiar, ironizar, contrariar ou concordar parcialmente com o que foi dito anteriormente; já a intertextualidade com semelhanças acontece quando o autor concorda com o texto alheio e deseja apropriar-se dele para defender sua argumentação, isto é, o texto escolhido serve como orientação argumentativa.
3. DIALOGISMO
Abordar a intertextualidade significa falar, também, em dialogismo, conceito introduzido por Bakhtin(apud BRAIT, 2006). A concepção de linguagem é um dos pontos centrais do pensamento desse teórico, uma linguagem em ação, presente na enunciação, revelando sua natureza dialógica. Segundo Brait (1997) o autor, a maneira de compreender a linguagem está no social, portanto, não pode ser isolada de seu contexto. Toda enunciação precisa de um enunciador (ato ilocutório) e um ouvinte (ato perlocutório), dessa maneira sempre existe interação entre o indivíduo e os outros que o cercam, e seu discurso se relaciona com o social, apropriando-se, dialogando e respondendo a ele.
Bakhtin observa que as palavras ditas por um eu já vem circundadas por um sistema social antes sedimentado, ou seja, toda linguagem pertence a um sistema compartilhado por um indivíduo e outros que formam esse sistema. A linguagem é, então, o ponto de encontro entre, no mínimo, dois indivíduos, o eu e o outro (locutor e receptor). Assim, todo o indivíduo é essencialmente social, pois depende da linguagem e do outro para se compor.
O chamado enunciado, aquilo que se produz através do discurso, constrói-se dialogicamente, pois é necessário alguém para produzir o ato do discurso e alguém para receber. Além disso, o enunciado articula-se já prevendo a resposta do interlocutor. O teórico afirma ainda, que a experiência verbal de um indivíduo se aprimora pela convivência com os outros, ampliando, com isso, o processo de assimilação. Os enunciados, inclusive textos literários, são constituídos de palavras dos outros (intertextos).
4. BREVE ANÁLISE DO ROMANCE DOM CASMURRO
O romance Dom Casmurro (1982), de Machado de Assis, apresenta-se como um discurso ambíguo. Segundo Costa (1995), Machado de Assis trabalha o arbítrio entre o que é dito e o que acontece no relato, produzindo um discurso de equívoco e duplo sentido, altamente neutralizado, entretanto, por uma retórica persuasiva impecável, convencendo o leitor, pela dissimulação, de que tudo é como o narrador diz.
Em seu discurso, o narrador explicita exatamente o que Bakhtin aponta como dialogismo, isto é, um discurso que representa a constituição do sujeito em relação com o mundo, através de diálogos já existentes, formando os elos para um novo texto.
Na construção da narrativa romanesca, o narrador prevê qual será a reação do leitor a seu discurso e, ao dirigir-se a ele, informa aquilo que o leitor necessita saber.
Agora que expliquei o título, passo a escrever o livro, antes disso, porém, digamos os motivos que me põem a pena na mão [...]. Quis variar, e lembrou-me escrever um livro. Jurisprudência [...] tive outras muitas, melhores e piores, mas aquela nunca se apagou do espírito. É o que vais entender, lendo. (ASSIS, 1982, p. 178/9)
O diálogo com o leitor, constante no texto, incorpora, numa espécie de antecipação, as reações do interlocutor imaginário. O dialogismo não se restringe a essa conversa entabulada pelo narrador, pois a enunciação incorpora discursos da tradição e gêneros discursivos já consolidados. Surge, então, a intertextualidade.
As narrativas pertencentes ao cristianismo, principalmente a bíblica, surgem como um intertexto de grande importância em Dom Casmurro, como podemos perceber na citação abaixo:
Deus é o poeta. A música é de Satanás, jovem maestro de muito futuro, que aprendeu no conservatório do céu. Rival de Miguel, Rafael e Gabriel, não tolerava a procedência que eles tinham na distribuição dos prêmios. Pode ser também que a música em demasia doce e mística daqueles outros condiscípulos fosse aborrecível ao seu gênero essencial trágico. (ASSIS, 1982, p. 187)
Nessa passagem, Machado de Assis parodia o discurso alheio, fazendo com que o leitor reflita sobre o original. Suas palavras nos mostram uma narrativa com inversão de sentidos, pois ele utiliza-se de personagens bíblicos e reescreve, em seu texto, um diálogo totalmente novo.
Na citação, notamos a presença de personagens fundamentais da tradição cristã: Deus, Satanás, Miguel, Rafael e Gabriel. Segundo a Bíblia, Deus é um ser onipotente, onisciente e onipresente, que sabe tudo e está presente em toda parte; Satanás foi um anjo de luz, que desejou ser igual a Deus, se rebelou contra o criador sendo então expulso do céu com sua legião de anjos maus (os demônios). Miguel, Rafael e Gabriel, os três anjos mais importantes da legião de Deus, são considerados o seu braço direito. Como podemos perceber, o narrador tenta convencer o leitor de que Deus e o Diabo são semelhantes a pessoas comuns, com algumas desavenças, resolvidas com um simples pedido de desculpas.
A distorção nas informações prestadas ao leitor transforma a narrativa em algo pouco confiável, falta idoneidade nos fatos apresentados, pois eles contrariam a
tradição, abrindo um leque de interpretações. O narrador, ao apresentar tal versão da relação entre Deus e Satanás, imagina previamente a reação do leitor, a quem instiga durante toda a narrativa.
Mais adiante, no decorrer da leitura, o autor apresenta outro intertexto explícito. Podemos perceber que o discurso novamente inclina-se para as escrituras sagradas, utilizando-se de um texto alheio para compor o seu. A citação a seguir alude ao livro Cântico dos Cânticos, de Salomão, o qual narra os procedimentos que deve ter o cônjuge para com sua companheira:
[...] lembrou-me ir correndo à casa vizinha, agarrar Capitu, desfazer-lhe as tranças, refazê-las e concluí-las daquela maneira particular, boca sobre boca. É isto, vamos, é isto... Idéia só! Idéia sem pernas! [...] muito depois é que saíram vagarosamente e levaram-me à casa de Capitu. [...] Não me olhou de rosto [...] Assim gastamos alguns minutos compridos, até que ela deixou inteiramente a costura, ergueu-se e esperou-se. Fui ter com ela [...] A boca com que respondeu era tal que cuida haver-me provocado um gesto de aproximação. Certo é que Capitu recuou um pouco.
Era ocasião de pegá-la, puxá-la e beijá-la... [...] Não conhecia nada da Escritura. Se conhecesse, é provável que o espírito de Satanás me fizesse dar à língua mística do cântico um sentido direto e natural. Então obedeceria ao primeiro versículo: "Aplique ele os lábios, dando-me o ósculo da sua boca". (ASSIS, 1982, p. 225/6)
Nessa passagem, fica claro que Machado de Assis apropriou-se de texto alheio, porém, com sentido inverso ao texto original, sua narrativa tem o objetivo de atrair a atenção do leitor no que diz respeito ao romantismo, ao conteúdo da obra como um todo e não ao texto alheio, que perde seus limites ao ser apropriado por outro enunciado, surgindo assim um novo sentido. Segundo a Bíblia, no livro de Cântico, cap. 2:4-6 lemos:
Eu sou a rosa de Saron
O lírio dos vales
Esposo
Qual o lírio entre os espinhos, tal é a minha querida entre as donzelas...
A sua mão esquerda
esteja debaixo da minha cabeça,
e direita me abrace.
Comparando a passagem acima com a do romance, nos deparamos com o intertexto das semelhanças e podemos analisá-lo de forma que o discurso torna-se uma paráfrase, isto é, o mesmo sentido com palavras diferentes. A ação de Bentinho, a maneira como beija Capitu é narrada de forma a retornar o que está escrito na Bíblia.
Quanto mais nos aproximamos do fim do romance, mais interessante fica o enredo. Fazemos toda essa "viagem" através de outras obras, com as quais Dom Casmurro dialoga, e percebemos quão importante é estarmos atentos ao intertexto. Machado não mede palavras, nem autores, nem obras, produzindo diversos efeitos no leitor. Comprovamos, mais uma vez, esse jogo intertextual, que na passagem abaixo está explícito:
Minha mãe era temente a Deus; sabes disto, e das suas práticas religiosas, e da fé pura que as animava. [...] Minha mãe faria, se pudesse, uma troca de promessa, dando parte dos seus anos para conservarem consigo fora do clero. [...]
Como Abraão, minha mãe levou o filho ao monte da visão, e mais lenha para o holocausto, o fogo e o cutelo. E atou Isac em cima do feixe de lenha, pegou do cutelo e levantou-o ao alto. [...] (ASSIS, 1982, p. 277)
Numa linguagem bastante simples, o autor compara a mãe de Bentinho com Abraão, personagem bíblico de imensurável fé, que não discutia as ordens dadas pelo Senhor. Cumpridor de sua palavra leva o único filho para o sacrifício, assim como D. Glória que promete entregar o filho para servir a Deus, e enviá-lo ao seminário mesmo antes do nascimento. Mulher devota de suas obrigações cristãs não desiste de seus princípios e de sua palavra, fazendo cumprir sua promessa.
A passagem que serve de intertexto para o romance encontra-se no livro de Gênesis 22:1-3, 15-18. Nesta hora, Deus põe Abraão à prova, pois pede seu único e tão desejado filho (tendo sua esposa Raquel dado à luz, sendo ela estéril) em sacrifício. Após os preparativos, Deus envia um anjo para impedir que o pai sacrifique Isac, pois já está ciente do amor existente em Abraão pelo Senhor Deus.
A comparação produzida pela intertextualidade confere um tom específico à situação do personagem Bentinho, ao mesmo tempo que dessacraliza o discurso bíblico, colocando-o em um mesmo patamar que o discurso profano e prosaico do romance.
Podemos perceber, com base na breve análise realizada, que nesse jogo intertextual Machado de Assis, além de construir um narrador que dialoga com o leitor, produz um efeito inesperado de sentidos opostos. Segundo Costa (1995), existe uma diferença entre o real sentido do texto e o sentido que realmente ocasiona. Esses dois parâmetros divergem, sendo que o sentido criado não interfere no sentido já existente.
Toda narrativa é nova, a partir do momento em que o autor se apropria de discursos existentes para elaborar um texto que é só dele.
Fonte: http://seer.uniritter.edu.br/index.php/cenarios/article/viewFile/161/97
Por: Queli Pereira
Obras machadianas
Este blog objetiva compartilhar com os leitores suas percepções literárias sobre as obras de Machado de Assis,visa salientar que as obras machadianas podem explicitar questões da realidade humana,bem como,sua dubiedade ,amor,traição,mentira,paixão e tudo que de fato faz parte da vida do homem e sua existência.Busca também fornecer informações sobre a biografia e as contribuições do autor para o estudo da literatura.
quarta-feira, 13 de novembro de 2013
terça-feira, 12 de novembro de 2013
Carolina e Machado de Assis
O afeto entre Carolina e Machado não conheceu declínio, ao contrário, cresceu a ponto de os dois se tornarem essenciais um para como outro. Além de levar uma vida caseira, o escritor era muito amoroso com a esposa, como se constata na maneira como se comportava em sua companhia e no carinho com que a mencionava nas cartas aos amigos.
.Carolina é a companheira perfeita, na compreensão, na concordância de temperamentos, no amor perene, na comunhão de sentimentos. O casamento poderia não ter dado certo para um tímido como Machado de Assis, e torturado pela epilepsia. Entretanto, Carolina o compreende e o ama, sabe protegê-lo e ampará-lo, dá-lhe a atmosfera de paz e ternura que o grande escritor necessita para construir a sua obra.
Tão grande é a influência exercida por ela no destino de Machado de Assis que há quem suponha ela tenha contribuído no aprimoramento da língua escorreita do mestre de Várias Histórias. Pode-se dizer que Carolina foi para ele a confidente e a companheira, e disto o escritor nos daria o depoimento comovido nas páginas em que, fechando a sua obra, repassou a felicidade conjugal de Aguiar e D. Carmo, no Memorial de Aires.
Com a idade o casal começou a avistar a morte e até imaginou que seria melhor ele falecer primeiro, já que não tinha parentes que o consolassem da perda. Entretanto, conforme lemos em diferentes passagens da obra machadiana, o destino é uma força indomável e imprevisível.
Em 1896, Carolina adoeceu e o casal passou algumas semanas no Hotel do Corcovado, a enferma não se recuperou totalmente, mas melhorou um pouco. Oito anos depois, teve uma crise mais aguda e em outubro de 1904, o destino levou Carolina, para mortificação do viúvo, que desde então iniciou os preparativos da própria partida. O fato de não terem tido filhos pode ter sido proposital, O escritor temia transmitir a epilepsia.Após a morte de Carolina, Machado pouco saía de casa, e as crises de epilepsia voltaram mais freqüentes e violentas. Manteve a casa como se Carolina ainda morasse com ele; com os objetos e os móveis nos mesmos lugares, como da última vez em que ela os deixou. Ia visitar o seu túmulo todos os domingos, levando flores frescas, tal como dizia em seu soneto.
Machado de Assis morreu em sua casa situada na rua Cosme Velho. Foi decretado luto oficial no Rio de Janeiro e seu enterro, acompanhado por uma multidão, atesta a fama alcançada pelo autor.
BASTOS, Dau. Machado de Assis - num recanto, o mundo inteiro. Rio de Janeiro: Garamond, 2008.
POR: Suzana Correia Lemos
segunda-feira, 11 de novembro de 2013
Jogo dicotômico no conto Mariana de Machado de Assis
Antes de nos aprofundar
na narrativa escolhida de hoje faz-se necessário discorrer um pouco sobre o
estilo narrativo de Machado. Como sabemos, de acordo com a segmentação
literária, os contos machadianos se enquadram no Realismo, muito embora
saibamos que o autor e suas produções muito se distanciam da doutrina do
mimetismo realista. Enquanto alguns autores preocupavam-se em reproduzir
questões sociais superficialmente, Machado atrelava suas obras às análises
psicológicas profundas, com o objetivo de desvelar o interior da alma humana
apropriando-se então de uma nova maneira de olhar a sociedade. Desta forma,
questões que antes eram vistas separadamente, como se fosse impossível a
existência concomitante, em toda sua produção literária são vistas como
dicotomias que complementam uma a outra.
No conto “Mariana”,
publicado na coletânea Várias Histórias em 1896, observamos toda a essência do
estilo machadiano disposta numa história que envolve fatores pertinentes não
somente às personagens, mas a realidade de toda humanidade numa perspectiva
atemporal que definitivamente não se prende a um único espaço de tempo. Referente
às questões dicotômicas, destacam-se no conto: paixão X razão, vida X morte,
insubmissão X submissão, traição X lealdade, ficção X realidade ou arte X vida.
Vale destacar novamente que este jogo dicotômico proposto por Machado está
muito mais voltado para demonstrar a relação de dependência e coexistência
entre as dicotomias do que suas diferenças ou oposições.
Um narrador onisciente,
que sabe até os pensamentos das personagens nos conta a história de Mariana e
Evaristo. Depois de mais de 18 anos de ausência, Evaristo decide retornar para
o Brasil após ter vivido durante todo esse tempo na Europa. Ao regressar,
encontra-se com um velho amigo que o faz lembrar-se de um antigo amor, então
Evaristo decide saber como está Mariana, vai até a casa da moça e se depara com
um belo quadro com a pintura perfeita de Mariana como nos tempos em que eram
apaixonados. Nesse momento, Mariana salta do quadro e se aproxima de Evaristo,
faz-lhe carícias e confissões que são logo interrompidas pelo criado que o
convida para entrar, tudo não passou de um misto de pensamentos, desejos e
lembranças que não durou mais de seis minutos.
No decorrer do conto,
Evaristo descobre que o esposo de Mariana está prestes a falecer e por isso a
moça se encontra num estado de profunda tristeza que a faz tratá-lo com frieza
e indiferença. O tratamento que recebeu de Mariana faz com que Evaristo
relembre sua história com ela e se pergunte como depois de tanto tempo de um
amor impedido ela pode ser tão fria. A narrativa conta com fortes marcações de datas,
o que nos faz prestar atenção e descobrir que na realidade a história de amor
era de traição. Mariana e Evaristo eram amantes há dezoito anos, já era casada
com Xavier e mantinha um relacionamento amoroso com Evaristo, diante das
pressões sociais e familiares são obrigados a se separarem e isto provoca uma
tentativa de suicídio em Mariana, mas o amante facilmente se recupera e decide
se autoexilar na Europa e, segundo o narrador, vive muito bem lá e sua decisão
de retornar foi embasada apenas na curiosidade de saber das novidades da sua
terra. Ao conversar com um amigo de Mariana, Evaristo descobre que para a
sociedade a tentativa de suicídio tinha como motivo o fato da mãe de Mariana
não aceitar o relacionamento da filha com Xavier, descobre também que durante
todos esses anos o casal viveu uma vida repleta de amor e dedicação total um
para com o outro e que agora ao ver o marido num estado terminal de uma doença
grave, Mariana parecia convalescer com seu conjugue. O conto termina com Mariana
tratando mais uma vez com indiferença Evaristo, que decide voltar para a
Europa.
A primeira vista parece
apenas uma relação de triângulo amoroso, mas na realidade tudo isso se torna
plano de fundo para as questões intrínsecas do ser humano. Quando lemos no
trecho: “E
lembrando-se do retrato da sala, Evaristo concluiu que a arte era superior à
natureza; a tela guardara o corpo e a alma...”,
podemos nos atentar para dicotomia ficção X realidade ou arte X vida, o
narrador afirma que Evaristo trouxe para a realidade desejos da sua alma ao,
através do retrato de Mariana, se deleitar em sua paixão que, logo foi
interrompida pela realidade, nessa perspectiva podemos dizer que a arte é
superior à vida, pois vislumbra a alma, já a vida, esconde-a. De acordo com o
enredo podemos perceber que Mariana outrora era traidora, agora é fiel e
submissa ao esposo, o que nos faz pensar mais uma vez nas relações dicotômicas,
como também o fato de Evaristo e Mariana terem vivido uma paixão e ambos pela
razão terem seguido suas vidas felizes cada um a sua maneira. Podemos observar
a presença dos contrários num único ser, o humano.
Por:Suzana
Correia Lemos
sexta-feira, 8 de novembro de 2013
A ironia de Machado de Assis sobre a Abolição da Escravidão
A fina ironia de Machado de Assis sobre a Abolição da Escravatura. Na crônica abaixo, o saudoso escritor aborda a questão do “fim da escravidão”, que havia ocorrido oficialmente no dia 13 de maio de 1888
Por Machado de AssisBons dias!
Eu pertenço a uma família de profetas après coup, post factum, depois do gato morto, ou como melhor nome tenha em holandês. Por isso digo, e juro se necessário fôr, que tôda a história desta lei de 13 de maio estava por mim prevista, tanto que na segunda-feira, antes mesmo dos debates, tratei de alforriar um molecote que tinha, pessoa de seus dezoito anos, mais ou menos. Alforriá-lo era nada; entendi que, perdido por mil, perdido por mil e quinhentos, e dei um jantar.
Neste jantar, a que meus amigos deram o nome de banquete, em falta de outro melhor, reuni umas cinco pessoas, conquanto as notícias dissessem trinta e três (anos de Cristo), no intuito de lhe dar um aspecto simbólico.
Machado de Assis. Crônica publicada no jornal Gazeta de Notícias, em 19 de maio de 1888. (Foto: Arquivo)
Pancrácio, que estava à espreita, entrou na sala, como um furacão, e veio abraçar-me os pés. Um dos meus amigos (creio que é ainda meu sobrinho) pegou de outra taça, e pediu à ilustre assembléia que correspondesse ao ato que acabava de publicar, brindando ao primeiro dos cariocas. Ouvi cabisbaixo; fiz outro discurso agradecendo, e entreguei a carta ao molecote. Todos os lenços comovidos apanharam as lágrimas de admiração. Caí na cadeira e não vi mais nada. De noite, recebi muitos cartões. Creio que estão pintando o meu retrato, e suponho que a óleo.
No dia seguinte, chamei o Pancrácio e disse-lhe com rara franqueza:
- Tu és livre, podes ir para onde quiseres. Aqui tens casa amiga, já conhecida e tens mais um ordenado, um ordenado que…
- …Um ordenado pequeno, mas que há de crescer. Tudo cresce neste mundo; tu cresceste imensamente. Quando nasceste, eras um pirralho dêste tamanho; hoje estás mais alto que eu. Deixa ver; olha, és mais alto quatro dedos…
- Artura não qué dizê nada, não, senhô…
- Pequeno ordenado, repito, uns seis mil-réis; mas é de grão em grão que a galinha enche o seu papo. Tu vales muito mais que uma galinha.
- Justamente. Pois seis mil-réis. No fim de um ano, se andares bem, conta com oito. Oito ou sete.
Pancrácio aceitou tudo; aceitou até um peteleco que lhe dei no dia seguinte, por me não escovar bem as botas; efeitos da liberdade. Mas eu expliquei-lhe que o peteleco, sendo um impulso natural, não podia anular o direito civil adquirido por um título que lhe dei. Êle continuava livre, eu de mau humor; eram dois estados naturais, quase divinos.
Tudo compreendeu o meu bom Pancrácio; daí pra cá, tenho-lhe despedido alguns pontapés, um ou outro puxão de orelhas, e chamo-lhe bêsta quando lhe não chamo filho do diabo; cousas tôdas que êle recebe humildemente, e (Deus me perdoe!) creio que até alegre.
O meu plano está feito; quero ser deputado, e, na circular que mandarei aos meus eleitores, direi que, antes, muito antes da abolição legal, já eu, em casa, na modéstia da família, libertava um escravo, ato que comoveu a tôda a gente que dêle teve notícia; que êsse escravo tendo aprendido a ler, escrever e contar, (simples suposições) é então professor de filosofia no Rio das Cobras; que os homens puros, grandes e verdadeiramente políticos, não são os que obedecem à lei, mas os que se antecipam a ela, dizendo ao escravo: és livre, antes que o digam os poderes públicos, sempre retardatários, trôpegos e incapazes de restaurar a justiça na terra, para satisfação do céu.
Boas noites.
Texto extraído do livro; Assis, Machado de. Obra Completa, Vol III. 3ª edição. José Aguilar, Rio de Janeiro. 1973. p. 489 – 491.
Fonte: http://www.pragmatismopolitico.com.br/2013/05/machado-de-assis-abolicao-escravidao.html
Por: Priscila de Sá Braga Fonseca
quinta-feira, 7 de novembro de 2013
Machado de Assis: genialidade na periferia do mundo
O crítico americano Harold Bloom, ao fazer seu tratado sobre a
genialidade na literatura, considerou Machado de Assis “uma espécie de
milagre”. Nascido pobre num país periférico, mestiço ainda em época de
escravidão, portador de epilepsia, conseguiu equiparar-se a escritores
em condições de notoriedade bem mais confortáveis do ponto de vista
histórico-cultural. Na lista de Bloom, há outros 99 autores
excepcionais de todos os tempos, grande parte de línguas inglesa e
francesa, com séculos de tradição à frente.

Reprodução / Acervo Academia Brasileira de Letras
Os
relatos biográficos – que poderiam ajudar a compreender como superou as
expectativas para alguém em sua posição social – muitas vezes se
contradizem. Sabe-se que nasceu numa casa modesta, no Morro do
Livramento, no Rio de Janeiro, em 21 de junho de 1839. O pai era
pintor, filho de ex-escravos, a mãe, lavadeira portuguesa. Conta-se que
uma madrinha rica deu-lhe acesso a uma grande biblioteca. Há quem diga,
porém, que a tal senhora morreu antes que o garoto completasse seis
anos, idade em que não poderia ter lido muita coisa, ou talvez quase
nada.
Existem versões ainda mais mirabolantes para esclarecer a razão de alguns de seus tantos talentos. O escritor Carlos Heitor Cony, que se define como “machadiano”, atribui a uma amante inglesa, oficialmente casada com José de Alencar – sim, o Alencar autor de “Iracema” -, o mérito de ter ensinado a Machado de Assis o idioma de Shakespeare. Para Cony, Mário de Alencar é, na verdade, filho bastardo, enredo que ironicamente estaria espelhado no triângulo Bentinho-Capitu-Escobar.
Por ajuda da sorte ou com bastante esforço, o fato é que, bem antes dos 20, o rapaz mulato de origem humilde começa a trabalhar na imprensa e passa a publicar crônicas cada vez mais lidas. À beira dos 30, lança o primeiro livro, “Crisálidas”; e pouco depois dos 40, o primeiro grande livro, “Memórias Póstumas”, que inaugura sua segunda e melhor “fase”. Aos 50, funcionário público bem-sucedido, vive no Cosme Velho com a mulher, Carolina, está cercado de admiradores e amigos e é visto como o maior escritor em atividade. À exceção de Silvio Romero, que o detesta, todos os seus pares o reconhecem: Visconde de Taunay, Joaquim Nabuco, Graça Aranha, Raul Pompéia, Olavo Bilac, entre outros, com quem fundará, em 1896, a Academia Brasileira de Letras, a casa que mais festeja seu nome no ano do centenário de sua morte.
Fonte: http://lazer.hsw.uol.com.br/machado-de-assis2.htm
Por: Priscila de Sá Braga Fonseca
Reprodução / Acervo Academia Brasileira de Letras
Existem versões ainda mais mirabolantes para esclarecer a razão de alguns de seus tantos talentos. O escritor Carlos Heitor Cony, que se define como “machadiano”, atribui a uma amante inglesa, oficialmente casada com José de Alencar – sim, o Alencar autor de “Iracema” -, o mérito de ter ensinado a Machado de Assis o idioma de Shakespeare. Para Cony, Mário de Alencar é, na verdade, filho bastardo, enredo que ironicamente estaria espelhado no triângulo Bentinho-Capitu-Escobar.
Por ajuda da sorte ou com bastante esforço, o fato é que, bem antes dos 20, o rapaz mulato de origem humilde começa a trabalhar na imprensa e passa a publicar crônicas cada vez mais lidas. À beira dos 30, lança o primeiro livro, “Crisálidas”; e pouco depois dos 40, o primeiro grande livro, “Memórias Póstumas”, que inaugura sua segunda e melhor “fase”. Aos 50, funcionário público bem-sucedido, vive no Cosme Velho com a mulher, Carolina, está cercado de admiradores e amigos e é visto como o maior escritor em atividade. À exceção de Silvio Romero, que o detesta, todos os seus pares o reconhecem: Visconde de Taunay, Joaquim Nabuco, Graça Aranha, Raul Pompéia, Olavo Bilac, entre outros, com quem fundará, em 1896, a Academia Brasileira de Letras, a casa que mais festeja seu nome no ano do centenário de sua morte.
Fonte: http://lazer.hsw.uol.com.br/machado-de-assis2.htm
Por: Priscila de Sá Braga Fonseca
quarta-feira, 6 de novembro de 2013
O Ser Machado
O Ser Machado caracteriza-se pela peculiaridade de suas palavras, das expressões inusitadas e divergentes das concepções sociais. Suas manifestações influenciaram seu período, atravessaram épocas e, ainda, influem discursões a respeito das propriedades distintivas da linguagem utilizada pelo escritor em suas declarações.
Algumas afirmações do interventor das ideologias dos séculos XIX e XX
Por: Queli Pereira
terça-feira, 5 de novembro de 2013
CONVITE
A Academia Brasileira de Letras possui um espaço exclusivo para pesquisa ao vocabulário utilizado por Machado de Assis nas obras em prosa e poesia.
Academia Brasileira de Letras (ABL)
Av. Presidente Wilson 203, Castelo | CEP 20030-021 | Rio de Janeiro | RJ Tel: (21) 3974-2500 | E-mail: academia@academia.org.br
Por: Queli Pereira
Assinar:
Postagens (Atom)