segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Jogo dicotômico no conto Mariana de Machado de Assis



Antes de nos aprofundar na narrativa escolhida de hoje faz-se necessário discorrer um pouco sobre o estilo narrativo de Machado. Como sabemos, de acordo com a segmentação literária, os contos machadianos se enquadram no Realismo, muito embora saibamos que o autor e suas produções muito se distanciam da doutrina do mimetismo realista. Enquanto alguns autores preocupavam-se em reproduzir questões sociais superficialmente, Machado atrelava suas obras às análises psicológicas profundas, com o objetivo de desvelar o interior da alma humana apropriando-se então de uma nova maneira de olhar a sociedade. Desta forma, questões que antes eram vistas separadamente, como se fosse impossível a existência concomitante, em toda sua produção literária são vistas como dicotomias que complementam uma a outra.
No conto “Mariana”, publicado na coletânea Várias Histórias em 1896, observamos toda a essência do estilo machadiano disposta numa história que envolve fatores pertinentes não somente às personagens, mas a realidade de toda humanidade numa perspectiva atemporal que definitivamente não se prende a um único espaço de tempo. Referente às questões dicotômicas, destacam-se no conto: paixão X razão, vida X morte, insubmissão X submissão, traição X lealdade, ficção X realidade ou arte X vida. Vale destacar novamente que este jogo dicotômico proposto por Machado está muito mais voltado para demonstrar a relação de dependência e coexistência entre as dicotomias do que suas diferenças ou oposições.
Um narrador onisciente, que sabe até os pensamentos das personagens nos conta a história de Mariana e Evaristo. Depois de mais de 18 anos de ausência, Evaristo decide retornar para o Brasil após ter vivido durante todo esse tempo na Europa. Ao regressar, encontra-se com um velho amigo que o faz lembrar-se de um antigo amor, então Evaristo decide saber como está Mariana, vai até a casa da moça e se depara com um belo quadro com a pintura perfeita de Mariana como nos tempos em que eram apaixonados. Nesse momento, Mariana salta do quadro e se aproxima de Evaristo, faz-lhe carícias e confissões que são logo interrompidas pelo criado que o convida para entrar, tudo não passou de um misto de pensamentos, desejos e lembranças que não durou mais de seis minutos.
No decorrer do conto, Evaristo descobre que o esposo de Mariana está prestes a falecer e por isso a moça se encontra num estado de profunda tristeza que a faz tratá-lo com frieza e indiferença. O tratamento que recebeu de Mariana faz com que Evaristo relembre sua história com ela e se pergunte como depois de tanto tempo de um amor impedido ela pode ser tão fria. A narrativa conta com fortes marcações de datas, o que nos faz prestar atenção e descobrir que na realidade a história de amor era de traição. Mariana e Evaristo eram amantes há dezoito anos, já era casada com Xavier e mantinha um relacionamento amoroso com Evaristo, diante das pressões sociais e familiares são obrigados a se separarem e isto provoca uma tentativa de suicídio em Mariana, mas o amante facilmente se recupera e decide se autoexilar na Europa e, segundo o narrador, vive muito bem lá e sua decisão de retornar foi embasada apenas na curiosidade de saber das novidades da sua terra. Ao conversar com um amigo de Mariana, Evaristo descobre que para a sociedade a tentativa de suicídio tinha como motivo o fato da mãe de Mariana não aceitar o relacionamento da filha com Xavier, descobre também que durante todos esses anos o casal viveu uma vida repleta de amor e dedicação total um para com o outro e que agora ao ver o marido num estado terminal de uma doença grave, Mariana parecia convalescer com seu conjugue. O conto termina com Mariana tratando mais uma vez com indiferença Evaristo, que decide voltar para a Europa.
A primeira vista parece apenas uma relação de triângulo amoroso, mas na realidade tudo isso se torna plano de fundo para as questões intrínsecas do ser humano. Quando lemos no trecho: “E lembrando-se do retrato da sala, Evaristo concluiu que a arte era superior à natureza; a tela guardara o corpo e a alma...”, podemos nos atentar para dicotomia ficção X realidade ou arte X vida, o narrador afirma que Evaristo trouxe para a realidade desejos da sua alma ao, através do retrato de Mariana, se deleitar em sua paixão que, logo foi interrompida pela realidade, nessa perspectiva podemos dizer que a arte é superior à vida, pois vislumbra a alma, já a vida, esconde-a. De acordo com o enredo podemos perceber que Mariana outrora era traidora, agora é fiel e submissa ao esposo, o que nos faz pensar mais uma vez nas relações dicotômicas, como também o fato de Evaristo e Mariana terem vivido uma paixão e ambos pela razão terem seguido suas vidas felizes cada um a sua maneira. Podemos observar a presença dos contrários num único ser, o humano.



Por:Suzana Correia Lemos

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