Antes de nos aprofundar
na narrativa escolhida de hoje faz-se necessário discorrer um pouco sobre o
estilo narrativo de Machado. Como sabemos, de acordo com a segmentação
literária, os contos machadianos se enquadram no Realismo, muito embora
saibamos que o autor e suas produções muito se distanciam da doutrina do
mimetismo realista. Enquanto alguns autores preocupavam-se em reproduzir
questões sociais superficialmente, Machado atrelava suas obras às análises
psicológicas profundas, com o objetivo de desvelar o interior da alma humana
apropriando-se então de uma nova maneira de olhar a sociedade. Desta forma,
questões que antes eram vistas separadamente, como se fosse impossível a
existência concomitante, em toda sua produção literária são vistas como
dicotomias que complementam uma a outra.
No conto “Mariana”,
publicado na coletânea Várias Histórias em 1896, observamos toda a essência do
estilo machadiano disposta numa história que envolve fatores pertinentes não
somente às personagens, mas a realidade de toda humanidade numa perspectiva
atemporal que definitivamente não se prende a um único espaço de tempo. Referente
às questões dicotômicas, destacam-se no conto: paixão X razão, vida X morte,
insubmissão X submissão, traição X lealdade, ficção X realidade ou arte X vida.
Vale destacar novamente que este jogo dicotômico proposto por Machado está
muito mais voltado para demonstrar a relação de dependência e coexistência
entre as dicotomias do que suas diferenças ou oposições.
Um narrador onisciente,
que sabe até os pensamentos das personagens nos conta a história de Mariana e
Evaristo. Depois de mais de 18 anos de ausência, Evaristo decide retornar para
o Brasil após ter vivido durante todo esse tempo na Europa. Ao regressar,
encontra-se com um velho amigo que o faz lembrar-se de um antigo amor, então
Evaristo decide saber como está Mariana, vai até a casa da moça e se depara com
um belo quadro com a pintura perfeita de Mariana como nos tempos em que eram
apaixonados. Nesse momento, Mariana salta do quadro e se aproxima de Evaristo,
faz-lhe carícias e confissões que são logo interrompidas pelo criado que o
convida para entrar, tudo não passou de um misto de pensamentos, desejos e
lembranças que não durou mais de seis minutos.
No decorrer do conto,
Evaristo descobre que o esposo de Mariana está prestes a falecer e por isso a
moça se encontra num estado de profunda tristeza que a faz tratá-lo com frieza
e indiferença. O tratamento que recebeu de Mariana faz com que Evaristo
relembre sua história com ela e se pergunte como depois de tanto tempo de um
amor impedido ela pode ser tão fria. A narrativa conta com fortes marcações de datas,
o que nos faz prestar atenção e descobrir que na realidade a história de amor
era de traição. Mariana e Evaristo eram amantes há dezoito anos, já era casada
com Xavier e mantinha um relacionamento amoroso com Evaristo, diante das
pressões sociais e familiares são obrigados a se separarem e isto provoca uma
tentativa de suicídio em Mariana, mas o amante facilmente se recupera e decide
se autoexilar na Europa e, segundo o narrador, vive muito bem lá e sua decisão
de retornar foi embasada apenas na curiosidade de saber das novidades da sua
terra. Ao conversar com um amigo de Mariana, Evaristo descobre que para a
sociedade a tentativa de suicídio tinha como motivo o fato da mãe de Mariana
não aceitar o relacionamento da filha com Xavier, descobre também que durante
todos esses anos o casal viveu uma vida repleta de amor e dedicação total um
para com o outro e que agora ao ver o marido num estado terminal de uma doença
grave, Mariana parecia convalescer com seu conjugue. O conto termina com Mariana
tratando mais uma vez com indiferença Evaristo, que decide voltar para a
Europa.
A primeira vista parece
apenas uma relação de triângulo amoroso, mas na realidade tudo isso se torna
plano de fundo para as questões intrínsecas do ser humano. Quando lemos no
trecho: “E
lembrando-se do retrato da sala, Evaristo concluiu que a arte era superior à
natureza; a tela guardara o corpo e a alma...”,
podemos nos atentar para dicotomia ficção X realidade ou arte X vida, o
narrador afirma que Evaristo trouxe para a realidade desejos da sua alma ao,
através do retrato de Mariana, se deleitar em sua paixão que, logo foi
interrompida pela realidade, nessa perspectiva podemos dizer que a arte é
superior à vida, pois vislumbra a alma, já a vida, esconde-a. De acordo com o
enredo podemos perceber que Mariana outrora era traidora, agora é fiel e
submissa ao esposo, o que nos faz pensar mais uma vez nas relações dicotômicas,
como também o fato de Evaristo e Mariana terem vivido uma paixão e ambos pela
razão terem seguido suas vidas felizes cada um a sua maneira. Podemos observar
a presença dos contrários num único ser, o humano.
Por:Suzana
Correia Lemos
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