segunda-feira, 30 de setembro de 2013

O nascimento da crônica, Machado de Assis

O nascimento da crônica
Machado de Assis

Há um meio certo de começar a crônica por uma trivialidade. É dizer: Que calor! Que desenfreado calor! Diz-se isto, agitando as pontas do lenço, bufando como um touro, ou simplesmente sacudindo a sobrecasaca. Resvala-se do calor aos fenômenos atmosféricos, fazem-se algumas conjeturas acerca do sol e da lua, outras sobre a febre amarela, manda-se um suspiro a Petrópolis, e La glace est rompue; está começada a crônica.

Mas, leitor amigo, esse meio é mais velho ainda do que as crônicas, que apenas datam de Esdras. Antes de Esdras, antes de Moisés, antes de Abraão, Isaque e Jacó, antes mesmo de Noé, houve calor e crônicas. No paraíso é provável, é certo que o calor era mediano, e não é prova do contrário o fato de Adão andar nu. Adão andava nu por duas razões, uma capital e outra provincial. A primeira é que não havia alfaiates, não havia sequer casimiras; a segunda é que, ainda havendo-os, Adão andava baldo ao naipe. Digo que esta razão é provincial, porque as nossas províncias estão nas circunstâncias do primeiro homem.

Quando a fatal curiosidade de Eva fez-lhes perder o paraíso, cessou, com essa degradação, a vantagem de uma temperatura igual e agradável. Nasceu o calor e o inverno; vieram as neves, os tufões, as secas, todo o cortejo de males, distribuídos pelos doze meses do ano.

Não posso dizer positivamente em que ano nasceu a crônica; mas há toda a probabilidade de crer que foi coetânea das primeiras duas vizinhas. Essas vizinhas, entre o jantar e a merenda, sentaram-se à porta, para debicar os sucessos do dia. Provavelmente começaram a lastimar-se do calor. Uma dia que não pudera comer ao jantar, outra que tinha a camisa mais ensopando que as ervas que comera. Passar das ervas às plantações do morador fronteiro, e logo às tropelias amatórias do dito morador, e ao resto, era a coisa mais fácil, natural e possível do mundo. Eis a origem da crônica.

Que eu, sabedor ou conjeturador de tão alta prosápia, queira repetir o meio de que lançaram mãos as duas avós do cronista, é realmente cometer uma trivialidade; e contUdo, leitor, seria difícil falar desta quinzena sem dar à canícula o lugar de honra que lhe compete. Seria; mas eu dispensarei esse meio quase tão velho como o mundo, para somente dizer que a verdade mais incontestável que achei debaixo do sol é que ninguém se deve queixar, porque cada pessoa é sempre mais feliz do que outra.

Não afirmo sem prova.

Fui há dias a um cemitério, a um enterro, logo de manhã, num dia ardente como todos os diabos e suas respectivas habitações. Em volta de mim ouvia o estribilho geral: que calor! Que sol! É de rachar passarinho! É de fazer um homem doido!

Íamos em carros! Apeamo-nos à porta do cemitério e caminhamos um longo pedaço. O sol das onze horas batia de chapa em todos nós; mas sem tirarmos os chapéus, abríamos os de sol e seguíamos a suar até o lugar onde devia verificar-se o enterramento. Naquele lugar esbarramos com seis ou oito homens ocupados em abrir covas: estavam de cabeça descoberta, a erguer e fazer cair a enxada. Nós enterramos o morto, voltamos nos carros, c dar às nossas casas ou repartições. E eles? Lá os achamos, lá os deixamos, ao sol, de cabeça descoberta, a trabalhar com a enxada. Se o sol nos fazia mal, que não faria àqueles pobres-diabos, durante todas as horas quentes do dia?

O texto acima foi publicado no livro "Crônicas Escolhidas”, Editora Ática – São Paulo, 1994, pág. 13, e extraído do livro "As Cem Melhores Crônicas Brasileiras", Editora Objetiva - Rio de Janeiro, 2007, pág. 27, organização e introdução de Joaquim Ferreira dos Santos.

Conheça o autor e sua obra visitando "Biografias".
Leia o texto. Compre o livro.


Fonte: http://www.releituras.com/machadodeassis_menu.asp 


Por: Priscila de Sá Braga Fonseca

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

O Contemporâneo e o Ócio no conto A Escola de Machado de Assis



 

 Segundo o filósofo italiano Giorgio Agamben,ser contemporâneo é na verdade,não coincidir exclusivamente com seu próprio tempo,pois quem assim o faz não pode ver com clareza a estrutura deste tempo em decorrência de uma visão limitada.Nesta perspectiva,ser contemporâneo se relaciona com o inatual,é necessário um afastamento para obter uma melhor ótica e assim correlacionar passado e presente em um movimento dialético,proporcionando a que se pode chamar de, contemporaneidade literária.

 Uma obra pode ser considerada como contemporânea ,não apenas por pertencer a um período atual,mas sim por apresentar características que possam ir além daquilo que o sistema em que a crítica se insere pode compreender.

 Machado e suas obras se enquadram perfeitamente neste conceito.Aqui deixo registradas minhas percepções sobre o conto A Escola de Machado de Assis,na tentativa de elucidar uma crítica mais que contemporânea,talvez atemporal,que o autor fez ao Sistema Educacional e ao papel que a escola,infelizmente,tem exercido ao longo do tempo.

 Vamos ao conto!

 Machado,através de seu narrador personagem,Pilar,que era um menino com idade inferior a 11 anos,nos revela o ócio que a escola pode representar e proporcionar a humanidade.A história tem início com o menino citando que a decisão de ir à escola foi baseada em uma situação de não saber o que fazer diante do ócio,obrigado pelo pai,que desejava ao filho a posse de elementos mercantis para adquirir uma posição comercial,dirigiu-se à escola.

 Como característica introdutória ,podemos observar a crítica feita por Machado à contribuição da escola ao idealismo capitalista que visa condicionar os cidadãos a uma ideologia excludente e alienadora,em que quem vence é quem tem mais poder,neste caso,dinheiro ou status.

 No decorrer do enredo,temos a presença de outras personagens como Raimundo e Curvelo,colegas de classe de Pilar e também o professor Policarpo.Pilar olhava pela vidraça da escola e enxergava a liberdade,liberdade que existia fora da escola,então arrependia-se de estar sentado do lado de dentro.Neste momento,Raimundo,filho do professor,lhe faz uma proposta,oferece-lhe dinheiro em troca de ajuda com as lições,mesmo preocupado Pilar aceita.Curvelo vê tudo e decide denunciar os dois ao mestre Policarpo,que furioso joga o dinheiro fora e castiga as crianças.

 Antes do desfecho é importante lembrar que Machado faz outra crítica,através de seu narrador,desta vez em relação a postura dos educadores,no trecho “Naquele dia foi a mesma coisa; tão depressa acabei, como entrei a reproduzir o nariz do mestre, dando-lhe cinco ou seis atitudes diferentes, das quais recordo a interrogativa, a admirativa, a dubitativa e a cogitativa. ” e ainda à política no trecho “E daí, pode ser que alguma vez as paixões políticas dominassem nele a ponto de poupar-nos uma ou outra correção.”,sabendo que a honestidade e correção em nada tinha a ver com as paixões políticas.

 No desfecho,depois de castigado Pilar retorna para sua casa com a certeza de ter aprendido duas lições na escola:a primeira relacionada a corrupção e outra relacionada a delação.No fim a escola não proporcionou nada,sua estadia nela foi ociosa ,em nada trabalhou para desenvolver habilidades que pudessem torná-lo um cidadão pleno.As lições que aprendeu lá aprenderia fora dela também.

 Este conto foi publicado em 1896 na coletânea Várias Histórias,engloba uma realidade que o sistema finge não ver, realidade totalmente pertinente a época em que foi publicado,com percepções passadas e ao mesmo tempo plenamente coincidentes com o nosso presente em pleno século XXI.

 Tem como um autor ser mais contemporâneo que o nosso Machado?



Por: Suzana Correia Lemos

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Quer testar seus conhecimentos sobre Machado de Assis?

Então, participe do questionário sobre o autor, e não esqueça de conferir suas respostas comparando-as com as que estão formuladas no rodapé da página.

Boa Sorte!

 Machado de Assis foi uma grande representante da Literatura Brasileira, haja vista que o estilo por ele adotado representou um significativo amadurecimento temático e formal.

Questão 1

(UFPI-PI)
“Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria”.
O enunciado acima se refere a uma das obras de Machado de Assis intitulada:

a - Dom Casmurro
b – Memorial de Aires
c – Memórias póstumas de Brás Cubas
d - Quincas Borba
e – Esaú e Jacó
 
  • Questão 2
    ESAM-RN
    “gosto dos epitáfios; eles são, entre a gente civilizada, uma expressão daquele pio e secreto egoísmo que induz o homem a arrancar à morte um farrapo ao menos da sombra que passou. Daí, vem, talvez, a tristeza inconsolável dos que sabem os seus mortos na vala comum; parece-lhes que a podridão anônima os alcança a eles mesmos.”
    Podemos dizer que o trecho acima pertence ao Realismo, já que apresenta as seguintes características:

    a – dúvida em torno da validade da religião; descaso pelo homem como ser socializado; apologia dos sentimentos nobres.
    b –descrença dos sentimentos humanos; morbidez em face do amor; conformismo diante da fragilidade do ser humano;
    c –apologia do materialismo; desprezo pela atitude místico-religiosa dos homens; passividade diante da contínua presença da morte;
    d –visão materialista do mundo; desprezo pelos valores sociais estabelecidos; desprezo pelo homem e pela vida;
    e –ausência de visão sentimentalista do mundo; descrença em valores religiosos, consciência da fragilidade oral e física do ser humano.
     
  • Questão 3
    Machado de Assis, embora considerado um escritor que trabalhou uma ideologia muito mais evoluída, uma vez comparada a dos outros representantes que pertenceram à época realista, deixou algumas “pegadas” que tão bem evidenciaram os rumores de um novo tempo, tempo esse em detrimento, sobretudo aos moldes românticos. Procure, dessa forma, evidenciar algumas dessas características.

     
  • Questão 4
    Falar sobre Machado de Assis, sem sombra de dúvida, requer tempo e argumentos, dada a preciosidade artística desse nobre representante de nossas letras. Assim, procure evidenciar, ainda que em simples linhas, um pouco das características inerentes ao trabalho que ele desenvolveu, o qual nos rendeu um legado cultural sem margens para discussões.
     

  •  Respostas

    • Resposta Questão 1
      Podemos afirmar que a alternativa que se adéqua ao enunciado diz respeito à letra “C”Memórias póstumas de Brás Cubas, cujos trechos se encontram abaixo evidenciados:

      "Este último capítulo é todo de negativas. Não alcancei acelebridade do emplasto, não fui ministro, não fui califa, não conheci o casamento. Verdade é que, ao lado dessas faltas, coube-me a boa fortuna de não comprar o pão com o suor do meu rosto. Mais; não padeci a morte de Dona Plácida, nem a semidemência do Quincas Borba. Somadas umas coisas e outras, qualquer pessoa imaginará que não houve míngua nem sobra, e conseguintemente que sai quite com a vida. E imaginará mal; porque ao chegar a este outro lado do mistério, achei-me com um pequeno saldo, que é a derradeira negativa deste capítulo de negativas: Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria." (grifos nossos)
       
    • Resposta Questão 2
      Temos que a alternativa “D” se evidencia como a adequada ao enunciado em questão, sobretudo em se tratando das características que demarcam a estética realista.  Por se tratar de um trecho extraído do romance machadiano “Memórias póstumas de Brás Cubas”, as características expostas na questão tão bem demarcam as verdadeiras intenções a que se propõe esse nobre autor: por meio de uma ironia ferina, ele acaba “descortinando”, deixando às claras, alguns valores relacionados à natureza humana, tais como: falsas virtudes, falta de caráter impressa nas diversas categorias inerentes à sociedade como um todo, as indecisões, enfim. Dessa forma, ele deixa claro que “gosta dos epitáfios”, que, como sabemos, trata-se de uma inscrição sepulcral, a qual se evidencia como uma expressão daquele pio e secreto egoísmo que induz o homem a arrancar à morte um farrapo ao menos da sombra que passou.  Ou seja, de forma bem crítica, Machado releva que o ser humano, dotado de tantas instabilidades, ao menos depois da morte consegue arrancar algo que o concebe como alguém dotado de características positivas.

       Resposta Questão 3
    • No intuito de discorrer acerca da questão levantada, torna-se imprescindível ressaltarmos que entre os estilos de época, ou as escolas literárias, os posicionamentos por meio delas firmados tendem a se contrapor ou, raras as vezes, complementar-se. Partindo desse princípio, afirmamos que o Realismo, materializando-se enquanto estética, representou uma verdadeira inovação, uma vez comparada ao que tanto preconizou o estilo romântico. A figura da mulher, sobretudo na voz de Flaubert e Eça de Queiróz, evidenciou-se mesmo como uma espécie de desmitificação, haja vista que ela, considerada como ser humano, concebeu-se como alguém passível de falhas, aspecto esse materializado pelo adultério.
      No caso de Machado, no conto “Uns braços”, podemos plenamente constatar essa questão, já não falando em outras obras dele, renomadas por sinal. Dessa forma, temos que o Realismo procurou explorar de forma ímpar a questão do psicológico do ser humano, ser esse dotado de falhas, de imperfeições – algo que jamais seria retratado em outras estéticas passadistas.

       Resposta Questão 4

    Constatamos uma verdadeira inovação por parte do escritor: as interrupções feitas ao longo de uma narrativa, deixando a cargo do leitor extrair suas próprias conclusões. Outro aspecto, não menos relevante, é a ironia, o ceticismo, o humor, mesmo que breve, ora demonstrado em determinadas passagens. No romance em questão, algo inusitado ocorre, quando comparado aos demais, tidos como convencionais, ou seja, o narrador se ocupa de transmitir a nós, leitores, uma história de alguém que narra sua experiência de vida após a morte, razão pela qual ele próprio afirma: “eu sou um defunto-autor”, em vez de um autor-defunto.
    Ainda fazendo referência a tal romance, outra inovação para a época diz respeito ao fato de ele ser narrado em 160 capítulos, breves por sinal, sem falar nos espaços franqueados para as intertextualizações que Machado fez a grandes escritores, especialmente os da literatura inglesa e francesa, fato que comprovadamente evidencia que o gênio assim não se concebia por acaso.


    FONTE: http://exercicios.brasilescola.com

    Por : Queli Pereira

    quarta-feira, 25 de setembro de 2013

    Questões importantes acerca do romance Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis

           Machado de Assis utiliza-se da metalinguagem na construção da narrativa, como um procedimento estético que possibilita a reflexão e diálogo crítico com os leitores de como se dará o ato de escrever a obra. Em Memórias póstumas de Brás Cubas, através do narrador-personagem, comenta o processo de elaboração do texto literário, refletindo assim sobre a narrativa e de como esta se dará. Por tais razões podemos dizer que através da metalinguagem a literatura machadiana se transforma então em metaliteratura.  
           Na obra, são desvelados ironicamente a hipocrisia, a falta de moral, a falta de compromisso com as pessoas e entre as pessoas de uma sociedade fidalga, branca e culta da qual Brás Cubas fazia parte, em que o narrador-personagem se vale de sua condição de defunto para dizer o que todos tem vontade de dizer, mas não o fazem por causa do senso comum, das conveniências sociais. A sociedade branca passa então a ser criticada por si mesma, através das palavras de Brás Cubas. Em suma, podemos dizer que Brás Cubas enquanto vivo fala o que deve e depois de morto fala o que quer.
           A obra inaugura o Realismo e é narrada a partir do ponto de vista do beneficiador. Sendo assim, não foi vista como um romance na época, pois estes eram lineares (progressivos), e Brás Cubas é digressivo, ou seja, não há uma sequência, um compromisso com a coerência. Memórias póstumas de Brás Cubas é um romance memorialista, que é narrado in última res. Na obra há longas digressões e através desse recurso dissimula-se uma forte coerência intrínseca, possibilitando ao leitor obter todas as informações necessárias para conhecer a visão de mundo de Brás Cubas, um homem que passou pela vida sem realizações, apenas ao sabor de seus desejos. A quebra das convenções ocorre também por Memórias póstumas de Brás Cubas não se tratar de um romance de heróis, Brás Cubas na verdade é um anti-herói, e não há um final feliz como é de se esperar que seja o desfecho.

    Por: Priscila de Sá Braga Fonseca

    terça-feira, 24 de setembro de 2013

    Autodidata atilado

     "Machado compensava a falta de escolaridade com muita leitura e convivência com pessoas capazes de enriquecer sua formação.Acostumado a assimilar dados que surgiam de maneira atabalhoada ,parecia encarar tal esforço menos como fardo do que como desafio estimulante.
    Imbuído desse espírito,voltou-se para a obra de nossos primeiros romancistas,dos quais incorporou o que vinha a seu projeto pessoal.De tanto prestar atenção ao estilo de Joaquim Manuel de Macedo,Manuel Antônio de Almeida e José de Alencar,pôde tirar lições dos escritos de cada um.
    Acontece que a literatura brasileira se espelhava na européia,sobretudo produzida na França,então centro cultural do Ocidente.Como acessar diretamente a matriz,se faltavam recursos para viajar?O acaso trouxe ao Rio de Janeiro o escritor Charles Ribeyrolles ,cuja amizade contribuiu para alavancar a visão de mundo de Machado,mediante o aprofundamento da política e o contato com a filosofia."


    Fonte:BASTOS,Dau. Machado de Assis-num recanto,um mundo inteiro.Rio de Janeiro:Gramond,2008.

    sexta-feira, 20 de setembro de 2013

    JORNAL DE PERNAMBUCO: Machado de Assis: maior escritor brasileiro de todos os tempos

    Bruxo do Cosme Velho tem obra extensa que dá margem a leituras sociais contemporâneas.



     (Quinho/EM/D.A Press)

















    "Com os anos adquire-se a firmeza, domina-se a arte, multiplicam-se os recursos, busca-se a perfeição, que é a ambição e o dever de todos os que tomam da pena para traduzir no papel as suas ideias e sensações"

    No soneto que escreveu para a mulher, Carolina, Machado de Assis (1839-1908) definiu em um verso o trabalho de sua vida: “E num recanto pôs um mundo inteiro”. Nascido no Rio de Janeiro, cidade da qual não se afastou mais de 200 quilômetros, o escritor não apenas realizou a mais importante obra de nossas letras como alcançou um grau de universalidade único.

    Clássico na expressão, tudo em Machado parece ser atravessado pela ambiguidade. Talvez por isso, mais de um século depois de sua morte, ele não apenas pareça moderno como desafie a compreensão da crítica e alimente a admiração de leitores em todo o mundo. Um grande autor reflete seu tempo. Os gênios criam sua posteridade.

    Todos os leitores brasileiros passam pela experiência de ler Machado de Assis no colégio. Muitas vezes, ao retornarem à leitura na maturidade, ficam impressionados. Esse senso de estranhamento e descoberta, no sentido metafórico, acompanhou a sociedade brasileira em sua capacidade de compreensão de nosso maior escritor. Sua época, como um adolescente, reconheceu no autor de 'Dom Casmurro' os méritos da linguagem, da narração e do sentido psicológico. No entanto, à medida que o tempo corria, a leitura de Machado foi encontrando outros valores e sutilezas.

    O retratista do Segundo Reinado foi também seu maior crítico e mais acurado intérprete de nossas mazelas. No que seria mais uma ambiguidade do escritor, o que pareceu a muitos certo distanciamento e alienação das questões sociais e políticas foi, na verdade, a invenção de um modo de expressão próprio, marcado pela ironia, originalidade e acurada leitura política, capaz de perceber o descompasso entre a realidade e as ideias que a sustentavam. Vivíamos com a carne escravista e patriarcal uma sociedade em que a liberdade só habitava a mente das elites.

    O estilo do escritor é mais um exemplo da riqueza ambígua de sua presença em nossa cultura. Mesmo tendo se tornado um modelo de expressão, pela elegância e humor, o estilo machadiano parece negar o tempo todo sua própria origem. Mesmo se exprimindo prioritariamente pela ficção, tanto no romance como no conto, Machado nunca o fez por mero entretenimento.

    Sua prosa reflexiva deixava sempre no ar “certas perplexidades não resolvidas”, na expressão do crítico Antonio Candido. Todos esses aspectos parecem se unir para dar conta do projeto do escritor. Machado, no seu arcaísmo aparente, sempre foi moderno; em seu classicismo perfeito, abriu espaço para o experimentalismo com a linguagem. Mas nada disso é mais importante que seu empenho em colocar em letra os grandes temas brasileiros e universais que compõem sua obra. E é exatamente o fato de não se prender às modas (inventando outra expressão a partir do molde clássico) e às demandas chinfrins de sua época (colocando em foco questões universais) que Machado de Assis garante o lugar de interesse que hoje desperta no mundo, como comprovam a admiração de nomes como Susan Sontag e Harold Bloom, entre outros.

    Se o leitor do século 19 conheceu o estilista, o século 20 o filósofo e o psicólogo, ficou para o nosso tempo a grande tarefa de um olhar amplo sobre a obra do escritor. Seguindo a inspiração de Antonio Candido, as grandes provocações que emanam da obra machadiana talvez sejam a questão da identidade (e da loucura), acerca da relação entre o fato real e imaginado, sobre o sentido da ação no mundo, e em relação aos limites postos à realidade para a construção de uma sociedade mais justa e de homens mais livres. Machado de Assis tocou em todos esses temas, que parecem tão presentes no mundo de hoje, por meio de personagens como Brás Cubas, Capitu, Pestana e Bacamarte.

    Machado é moderno por antecipação: pôs a linguagem acima do enredo, equilibrou imaginação e entendimento, criou uma narrativa em fractais, fez do diálogo irônico e do contato com o leitor um modo de expressão que antecipou seus pares europeus em matéria de técnica. O que é revolução na forma é ainda mais surpreendente na essência, sobretudo em seu caráter crítico das nossas usanças em política e organização social. O monarquista Machado de Assis foi nosso mais revolucionário adversário da alienação. E fez tudo isso sem sair do Rio de Janeiro. Num recanto, o mundo inteiro.

    Maiores escritores brasileiros de todos os tempos
    (por ordem de votação)


    1) Machado de Assis, Rio de Janeiro (1839-1908)
    2) Guimarães Rosa, Minas Gerais (1908-1967)
    3) Carlos Drummond de Andrade, Minas Gerais (1902-1987)
    4) Graciliano Ramos, Alagoas (1892-1953)
    5) Clarice Lispector, nascida na Ucrânia, viveu em Pernambuco e no Rio de Janeiro (1920-1977)
    6) João Cabral de Melo Neto, Pernambuco (1920-1999)
    7) Castro Alves, Bahia (1847-1891)
    8) Gregório de Matos, Bahia (1636-1696)
    9) Euclides da Cunha, Rio de Janeiro (1866-1909)
    10) Cecília Meireles, Rio de Janeiro (1901-1964)
    11) Caio Fernando Abreu, Rio Grande do Sul (1948-1996)
    12) Erico Verissimo, Rio Grande do Sul (1905-1975)
    13) Gonçalves Dias, Maranhão (1823-1864)
    14) Lima Barreto, Rio de Janeiro (1881-1922)
    15) Nelson Rodrigues, Pernambuco (1912-1980)
    16) Oswald de Andrade, São Paulo (1890-1954)
    17) Cruz e Sousa, Santa Catarina (1861-1898)
    18) José de Alencar, Ceará (1829-1877)
    19) Manuel Bandeira, Pernambuco (1886-1968)
    20) Dalton Trevisan, Paraná (1925)
    21) Autran Dourado, Minas Gerais (1926-2012)
    22) Hilda Hilst, São Paulo (1930-2004)
    23) Lúcio Cardoso, Minas Gerais (1913-1968)
    24) João Ubaldo Ribeiro, Bahia (1941)
    25) Jorge de Lima, Alagoas (1895-1953)
    26) José Lins do Rego, Paraíba (1901-1957)
    27) Lygia Fagundes Telles, São Paulo (1923)
    28) Rubem Braga, Espírito Santo (1913-1990)
    29) Sousândrade, Maranhão (1832-1902)
    30) Carlos Pena Filho, Pernambuco (1929-1960)
    31) Mário de Andrade, São Paulo (1893-1945)
    32) Moacyr Scliar, Rio Grande do Sul (1937-2011)
    33) Osman Lins, Pernambuco (1924-1978)
    34) Rachel de Queirós, Ceará (1910-2003)
    35) Rubem Fonseca, Minas Gerais (1925)
    36) Vinicius de Moraes, Rio de Janeiro (1913-1980)
    37) Dalcídio Jurandir, Pará (1909- 1979)
    38) Hugo de Carvalho Ramos, Goiás (1895-1921)

    QUEM VOTOU
    Armando Antenore, redator-chefe da revista 'Bravo', SP; Audemaro Taranto, professor de literatura da PUC/MG; Afonso Borges, projeto Sempre um papo, MG; Aleilton Fonseca, professor de literatura da Universidade Estadual de Feira de Santana, BA; Angelo Oswaldo, jornalista, membro da Academia Mineira de Letras, MG; Benjamin Abdala Jr., professor titular de literatura brasileira da USP, SP; Carlos Marcelo, editor-chefe do jornal Estado de Minas, MG; Cláudio Willer, jornalista e ensaísta, SP; Carlos Ribeiro, professor de jornalismo da Universidade Federal do Recôncavo Baiano, BA; Claudiney Ferreira, jornalista e gerente de audiovisual do Itaú Cultural, SP; Ésio Macedo Ribeiro, ensaísta e crítico literário, DF; Eneida Maria de Souza, professora emérita de literatura brasileira da UFMG; Edgard Murano, jornalista, editor da revista Metáfora, SP; Francisco Bosco, ensaísta e colunista de O Globo, RJ; Flávio Loureiro Chaves, professor de literatura brasileira da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, RS; Fernanda Coutinho, professora de literatura da Universidade Federal da Paraíba, PB; Ivety Walty, professora de literatura brasileira da PUC/MG; José Eduardo Gonçalves, Ofício da Palavra, MG; Jorge Pieiro, ensaísta e crítico literário, CE; João Paulo, editor de Cultura do Estado de Minas, MG; Jaime Prado Gouvêa, editor do Suplemento Literário de Minas Gerais, MG; Josélia Aguiar, jornalista e crítica literária, SP; Ligia Cademartori, doutora em teoria da literatura e ex-professora da Universidade de Brasília, DF; Lucília de Almeida Neves, professora dos cursos de pós-graduação em história e direitos humanos da Universidade de Brasília, DF; Luciana Vilas-Boas, jornalista e agente literária, RJ; Letícia Malard, professora emérita de literatura da UFMG; Leyla Perrone-Moisés, professora de literatura da Universidade de São Paulo, SP; Luci Collin, professora de literatura da Universidade Federal do Paraná, PR; Luis Augusto Fischer, professor de literatura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, RS; Lúcia Riff, agente literária, RJ; Márcia Marques de Morais, professora de literatura na PUC/MG; Maria Adélia Menegazzo, professora de teoria da literatura da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, MS; Nahima Maciel, do Correio Braziliense, DF; Ninfa Parreiras, professora de literatura da Estação das Letras/FNLIJ, RJ; Noemi Jaffe, crítica literária e professora de literatura da PUC/SP; Paulo Paniago, jornalista e professor de literatura da Universidade de Brasília, DF; Piero Eyben, professor de literatura da Universidade Federal de Brasília, DF; Paulo Goethe, do Diário de Pernambuco, PE; Raquel Naveira, professora de literatura na Universidade Anhembi-Murumbi, SP; Ronaldo Cagiano, jornalista e crítico literário, SP; Rinaldo de Fernandes, professor de literatura da Universidade Federal da Paraíba, PB; Ruth Silviano Brandão, professora emérita da UFMG; Regina Zilberman, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, RS; Selma Caetano, curadora do Prêmio Portugal Telecom de Literatura, SP; Sonia Torres, professora de literatura e língua portuguesa da Universidade Federal Fluminense, RJ; Suzana Vargas, produtora cultural da Estação das Letras, RJ; Suênio Campos de Lucena, ensaísta e crítico literário, BA; Sérgio de Sá, professor da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília, DF; Severino Francisco, do Correio Braziliense, DF; Wander Melo Miranda, professor de literatura da UFMG.
     
    João Paulo - Estado de Minas
    Publicação: 14/04/2013 17:07 Atualização: 14/04/2013 17:09
     

    Mestres da literatura

    Com a palavra no vídeo "Mestres da Literatura": Roberto Schwarz, Ensaísta e Crítico Literário; Sidney Chal Hour, Professor de História da Unesp; Alfredo Bosi, Professor de Literatura Brasileira USP; José Miguel Wisnik, Músico e Professor de Literatura USP, falando sobre a vida de Machado de Assis, das suas obras e fases, e também de abordagens que o autor fazia acerca da sociedade em suas produções literárias.

    Veja!

    É só seguir as instruções abaixo:
    Clique em Visualizar blog > Visualizar meu perfil completo > Vídeo.

    Pronto! É só assistir a palavra desses estudiosos de Machado de Assis, para conhecer mais sobre o grande escritor brasileiro.

    Por: Queli Pereira

    quinta-feira, 19 de setembro de 2013

    A contradição humana no conto “ A igreja do diabo” de Machado de Assis



            Podemos observar que, através do conto Machado de Assis objetiva demonstrar a fraqueza e “contradição humana”, em outras palavras, que todo homem santo tem algo de pecador e vice-versa.
    Como se nota, uma espécie de extremo representada no conto é a religião, pois seus fiéis devem supostamente obedecê-la. Devido à imperfeição humana há sempre contradição em seu meio e assim, esta é incapaz de viver em um desses extremos, o que podemos caracterizar como uma espécie de mimetismo antagônico, quero tanto me afastar do outro pelo ódio que acabo me aproximando.
    No decorrer do conto podemos observar que o diabo acredita na péssima índole do ser humano e que sempre foi assim. Para ele, as religiões até então existentes, somente servem para que as pessoas apenas escondam suas verdadeiras faces, e por este motivo almeja e funda uma Igreja com o objetivo de criar condições para que os homens desta forma possam revelar sua real índole.
    Ao contrário disso, o que ocorre é que, a humanidade não foi capaz de seguir todos os ensinamentos da igreja do diabo, como também não é capaz de seguir aos ensinamentos das religiões existentes.  Neste sentido podemos observar a incapacidade do ser humano de seguir um extremo, uma vez que todo o ser humano está sempre entre o bem e o mal, sem nunca seguir apenas um destes.
            Em última análise podemos observar que, Machado de Assis revela através deste conto que, as atitudes humanas se encaixam perfeitamente na igreja do diabo, que a todo o instante deseja o poder e a dominação, comparando a humanidade ao personagem do diabo. Deus é apresentado assim como Ele é, paciente, sábio, amoroso e nos dando o livre arbítrio, pois em nenhum momento ele se opunha quanto às atitudes do diabo ou das pessoas.
                Por tais razões, podemos concluir que o texto elucida através desta igreja, a contradição humana e a sua dificuldade de ser totalmente boa ou totalmente má.

    Por: Priscila de Sá Braga Fonseca.

    quarta-feira, 18 de setembro de 2013

    Paixão , Traição e Vingança.Um triângulo amoroso em “A Cartomante” de Machado de Assis



         Novamente Machado nos surpreende com sua genialidade,desta vez,entrelaça sentimentos sórdidos com o cândido amor entre dois amigos e a mesma mulher.O conto tem a presença de um narrador extradiegético,portanto onisciente ,narra a história somente de seu ponto de vista,no entanto,as conclusões devem ser feitas apenas pelo leitor.As obras machadianas tem como característica a presença de um narrador multiperspectivado,o que permite ao leitor pensar por si próprio e tirar suas conclusões .

       Bem,vamos ao conto!Tudo começa com a Rita contando a Camilo que havia procurado os serviços de uma cartomante,pois estava temerosa com o futuro de seu relacionamento com o jovem rapaz,em seguida, Camilo desdenha de sua atitude alegando não acreditar mais nessas coisas místicas e supersticiosas e que Rita estaria arriscando-se em se expor ,pois Vilela poderia descobrir.Então percebemos aí o triângulo amoroso,Rita é casada com Vilela e mantém um relacionamento às escondidas com Camilo.

        No trecho “limitava-se a negar tudo. E digo mal, porque negar é ainda afirmar”(linha 25)Machado,através de seu narrador,nos revela que tudo se resume às escolhas que fazemos,pois o próprio ato de negar algo significa que negando um fato afirma-se outro,logo,escolhendo uma direção deixa-se de escolher outra,isto indica que o ser humano age conscientemente,muito embora se escore em circunstâncias plausíveis para justificar e mascarar seu erro.Em seguida “Vilela, Camilo e Rita, três nomes, uma aventura e nenhuma explicação das origens.”(linha 31),comprova nossa afirmação de que tudo só aconteceu pela própria vontade dos personagens.

      Vilela e Camilo eram amigos de infância que tinham se separado por circunstâncias de suas profissões e que a vida tinha unido-os novamente,Vilela agora casado,voltava para província onde morava Camilo e retomava sua amizade,a partir de agora com mais uma integrante,Rita.Com a morte da mãe de Camilo as relações entre ele e Rita ficaram ainda mais estreitas,pois como diz o próprio narrador “Convivência trouxe intimidade”(linha 42) e daí em diante começa o romance.

      Machado de Assis elucida em “A Cartomante” as verdadeiras intenções humanas que por muitas vezes são mascaradas pela própria humanidade,podemos salientar esta percepção no fato de apesar de Camilo enxergar Rita quase como irmã,ela era mulher e bonita e isso bastava para ele transpassar o limite da fidelidade com seu melhor amigo,ou seja, o ser humano se importa mesmo com sua própria vontade,em prevalecer,vencer,ainda que para isso precise passar por cima de outros.

      No decorrer da história Camilo e Rita recebem bilhetes anônimos,isto faz com que Camilo queira recorrer a cartomante que antes julgava infame.Rita que outrora era descrita como bonita e tola a partir de agora proferia vulgaridades sublimes e era com uma serpente que envolvia Camilo em seu deleite,mais uma prova de que o ser humano é composto dos dois lados o bom e o ruim,a classificação cabe a nós mesmos.Como trata-se de uma obra realista não podemos deixar de contextualizar,ainda que minimamente, com o cenário da época,em que numa situação dessas a mulher era sempre a culpada,a vulgar,a sedutora.Camilo também era visto como ingênuo no início de tudo e em “Camilo quis sinceramente fugir, mas já não pôde.”(linha 55) Será que ele quis realmente fugir ?Se o narrador afirma que a primeira vez em que Camilo viu a esposa do seu melhor amigo já a cobiçou,talvez nunca tenha tido vontade de fugir, “Candura gerou astúcia.”(linha61).São estes questionamentos que os contos machadianos podem provocar em seus leitores,mostrando que sempre há um outro lado,uma outra verdade,uma outra escolha.Há também uma quebra de expectativas nas narrativas machadianas,outra característica marcante de Machado.Podemos observar isso no desfecho da história.

      Enfim Camilo decide consultar a cartomante,logo após ter recebido um bilhete de Vilela pedindo que fosse com urgência a sua casa.A cartomante disse o que ele queria e precisava ouvir,Camilo tranquilizou-se e foi ter com Vilela seguro que o amigo em nada desconfiava da sua traição e que teria um futuro feliz ao lado de sua amada,ao chegar lá encontra Rita estirada no chão toda ensanguentada ,encontra Vilela que o mata com dois tiros.A vingança está feita,pois ninguém é totalmente bom que não faça justiça com as próprias mãos. “ Assim é o homem, assim são as coisas que o cercam.” (linha 54).




                                                                                                                       Por:Suzana Correia Lemos

    terça-feira, 17 de setembro de 2013

       A Carolina
    Querida, ao pé do leito derradeiro
    Em que descansas dessa longa vida,
    Aqui venho e virei, pobre querida,
    Trazer-te o coração do companheiro.

    Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
        Que, a despeito de toda humana lida,
        Fez a nossa existência apetecida
       E num recanto pôs um mundo inteiro.

    Trago-te flores, - restos arrancados
    Da terra que nos viu passar unidos 
    E ora mortos nos deixa separados.

      Que eu, se tenho nos olhos malferidos 
         Pensamentos de vida formulados, 
    São pensamentos idos e vividos
          Machado de Assis.


    Reflexão
    O eu lírico inicia o soneto construindo uma cena, o túmulo de sua amada. Ele descreve a morte como um descanso. No terceiro verso, da primeira estrofe o eu lírico faz um jogo com o presente e futuro, quando ele escreve “Aqui venho e virei,...” percebemos que há uma relação entre a vida e a morte, “Aqui venho”, ou seja, Aqui estou vivo, porém “virei”, o eu lírico não se conforma com a separação que a morte trouxera para ele e sua amada, percebemos a partir disto um paralelo entre o soneto e a vida de Machado, analisando alguns dados bibliográficos percebemos que Machado também passa pelo mesmo dilema do eu lírico, este soneto foi publicado em 1906, é interessante percebermos que em 1904 morre a esposa de Machado, dois anos após a morte de Carolina(esposa de Machado) ele publica este soneto, e quatro anos após a morte da amada e dois anos pós o soneto Machado morre, ainda em vida Machado deixa uma determinação,  que em sua morte ele deveria ser enterrado no mesmo túmulo de Carolina sua amada esposa. No verso citado no início do paragrafo, que foi escrito dois anos após a morte dela (Carolina) e dois anos antes a sua morte, o eu lírico deixa vestígios deste desejo de Machado.
    Todo o soneto é embebecido de sentimentalismo, na segunda estrofe do soneto o eu lírico descreve o desejo de que ele e sua amada estivessem juntos, também escreve que o seu mundo, sua vida está “num recanto”, em um túmulo.
    Na terceira estrofe o eu lírico constrói uma cena com a ação de levar flores ao túmulo, em seguida descreve como lembranças a sua relação de união e companheirismo com a amada. No ultimo verso da terceira estrofe, percebe-se que o eu lírico mesmo em vida se considerava morto após a morte de sua amada, e também expõem sua inconformidade de estar em uma condição diferente dela, ocasionando a separação entre ambos.
    Nos dois últimos versos da quarta estrofe, o eu lírico expõem sua gratidão por sua amada, escrevendo “Pensamentos de vida formulados”- os pensamentos, conhecimentos que ele adquiriu (formulou) são graças a ela, “São pensamentos idos e vividos”, pensamentos idos e vividos esses, que foram passados da amada para o eu lírico.
    Carolina Augusta Xavier de Novais era de origem portuguesa e muito culta, veio para o Brasil após a morte de sua mãe em 1866, um tempo depois seu irmão Faustino Xavier, amigo de Machado, adoeceu com problemas mentais, e em uma das visitas de Machado a seu amigo Faustino, conhece Carolina, o tempo passa, Machado e Carolina ficam noivos. Em 16 de agosto de 1869 Faustino Xavier de Novais morre, três meses após a morte de seu irmão Carolina se casa com Machado, em 12 de novembro de 1869. Após seu casamento com Machado, Carolina lhe apresenta a literatura alemã e inglesa, reformulando o estilo literário de Machado.
    Neste soneto “A Carolina” Machado deixa vestígios através do eu lírico sua imensurável gratidão por tudo que Carolina foi para ele de maneira simples e singular.

    “A literatura é, assim, a vida, parte da vida, não se admitindo que possa haver conflito entre uma e outra. Através das obras literárias, tomamos contato com a vida, nas suas verdades eternas, comuns a todos os homens e lugares, porque são as verdades da mesma condição humana." (COUTINHO, Afrânio. Notas de teoria literária. Rio de Janeiro: Vozes, 2008.)

    Considerando o soneto, a reflexão e o trecho retirado do livro “Notas de teoria literária” de Afrânio Coutinho, responda. Qual o limite entre a vida e a literatura?
    Obs.: Sua participação é de extrema importância para nós, por isso, não deixe de postar abaixo sua opinião ou comentário.

      Grata, Fernanda Machado.

    segunda-feira, 16 de setembro de 2013

    Momento poético: "Mulheres são como maçãs em árvores''




    " Mulheres são como maçãs em árvores.
    As melhores estão no topo.
    Os homens não querem alcançar essas boas, porque eles têm medo de cair e se machucar.


    Preferem pegar as maçãs podres que ficam no chão,
    que não são boas como as do topo,
    mas são fáceis de se conseguir.

    Assim as maçãs no topo pensam que algo está errado com elas,
    quando na verdade, eles estão errados...

    Elas têm que esperar um pouco para o homem certo chegar,
    aquele que é valente o bastante para escalar até o topo da árvore.” 

     
                                                                                             Machado de Assis


                                                                                  
    Leitura do poema


    O poema evidencia o poder de sedução e a aptidão que cada mulher possui de incitar no homem as ações e conduta que ela mesma sugere e direciona. Algumas se introduzem no perfil das “maçãs do chão”: atraentes, sensuais e eróticas, que levam os homens a perdição através de suas seduções; outras figuram-se nas “maças do topo”: mulheres distintas, intocadas e não menos atraentes, que conduz o homem a ser esforçado e corajoso, dando-lhe o prestígio de celebrar a conquista de algo desejável.

                                                                                               Por: Queli Pereira


     

     

     

     
     
                                                                                 
     

    sexta-feira, 13 de setembro de 2013

    A dualidade humana em "O enfermeiro" de Machado de Assis



    O conto narra em primeira pessoa o que o ser humano é capaz em situações de humilhação. As personagens principais são: Procópio, o enfermeiro e o coronel Felisberto, o paciente.
    A narrativa conta a história de um enfermeiro que fora contratado por um padre para cuidar de um paciente idoso. Esta inicia-se com uma pergunta introdutória, chamando a participação, questionamento e reflexão do leitor, a respeito da essência moral e dos valores humanos na realidade apresentada. Através de uma desconversa filosofante e ambígua, a intriga é manejada, com conversas retóricas em que o narrador zomba do leitor menos entendido. A realidade no conto é volúvel à medida que o narrador elabora uma visão pessimista, amarga e melancólica da existência. Instaura-se, no ato narrativo, uma desproporção entre o ser e o parecer, isto é, uma dualidade, verdade x mentira, tendo em vista as enganosas máscaras sociais por meio de um ponto de vista futurístico em que o autor será defunto, no momento em que seu testamento confessional for lido.  O narrador é caracterizado como protagonista e salienta o mascaramento do foco narrativo sempre com o desejo de manipular o leitor de maneira debochada e zombeteira. O aspecto técnico do conto não é onisciente, a visão de mundo do narrador-personagem esconde-se atrás do foco narrativo, falando diretamente ao leitor.
    No desenvolvimento do enredo, nota-se que o protagonista Procópio enfatiza um flagrante, que com muito cuidado é narrado, uma cena que envolve tensão e arma o nó dramático num determinado momento da insossa vida do enfermeiro, em que a fatalidade determina o episódio decisivo. Com efeito, o narrador-protagonista omite quase tudo anterior aos 42 anos, a agosto de 1859. O referencial cronológico é apresentado pela lua-de-mel de sete dias; três meses convividos com o patrão; noite do assassinato até o amanhecer; o dia do enterro; passagem de dias; duração do inventário; passagem de alguns meses. O referencial psicológico quando o narrador mergulha no passado lembrando-se de fatos passados que nunca poderia esquecer.
    O clímax ocorre na noite do crime, em que se estabelece uma simetria estrutural em que o narrador para diante da alucinação, delírio, temor e remorso. Notam-se, quanto ao espaço, dois núcleos que se desenrolam no decorrer da narrativa, um é a cidade de Niterói, onde Procópio trabalha como copista em uma igreja e a vila do interior, para onde o protagonista se desloca para ser enfermeiro do coronel Felisberto. Os ambientes diversos são apresentados no percurso da narrativa como a casa do coronel onde se estabelece a dependência mútua; agressões verbais e físicas, quarto do coronel que ocorre luta e assassinato, sala contígua ao quarto do coronel ambiente de alucinação, delírio, temor e remorso, na sala mortuária ocorrem à manifestação inicial das enganosas aparências sociais, na rua podemos observar o crescimento do receio de punição, no Rio de Janeiro desassossego; adaptação à nova realidade de herdeiro universal, na vila do interior ocorre à mudança de personalidade em função das máscaras sociais burguesas.
                O conto apresenta no desfecho, uma estrutura social baseada em privilégios onde o ser humano é corrompido pelo dinheiro, pondo em evidência a ganância do lucro, egoísmo, calculismo e os prestígios sociais, além da transformação do homem em instrumento do dinheiro.
                Revela-se então, a ideia de que muitas vezes o universo de valores internos não corresponde aos externos. Machado de Assis tece intertextualmente questões sobre o livre arbítrio, vontade e aspectos relevantes à moral e faz um questionamento desses mesmos valores humanos pelo ficcional.

    Por: Priscila de Sá Braga Fonseca