sexta-feira, 13 de setembro de 2013

A dualidade humana em "O enfermeiro" de Machado de Assis



O conto narra em primeira pessoa o que o ser humano é capaz em situações de humilhação. As personagens principais são: Procópio, o enfermeiro e o coronel Felisberto, o paciente.
A narrativa conta a história de um enfermeiro que fora contratado por um padre para cuidar de um paciente idoso. Esta inicia-se com uma pergunta introdutória, chamando a participação, questionamento e reflexão do leitor, a respeito da essência moral e dos valores humanos na realidade apresentada. Através de uma desconversa filosofante e ambígua, a intriga é manejada, com conversas retóricas em que o narrador zomba do leitor menos entendido. A realidade no conto é volúvel à medida que o narrador elabora uma visão pessimista, amarga e melancólica da existência. Instaura-se, no ato narrativo, uma desproporção entre o ser e o parecer, isto é, uma dualidade, verdade x mentira, tendo em vista as enganosas máscaras sociais por meio de um ponto de vista futurístico em que o autor será defunto, no momento em que seu testamento confessional for lido.  O narrador é caracterizado como protagonista e salienta o mascaramento do foco narrativo sempre com o desejo de manipular o leitor de maneira debochada e zombeteira. O aspecto técnico do conto não é onisciente, a visão de mundo do narrador-personagem esconde-se atrás do foco narrativo, falando diretamente ao leitor.
No desenvolvimento do enredo, nota-se que o protagonista Procópio enfatiza um flagrante, que com muito cuidado é narrado, uma cena que envolve tensão e arma o nó dramático num determinado momento da insossa vida do enfermeiro, em que a fatalidade determina o episódio decisivo. Com efeito, o narrador-protagonista omite quase tudo anterior aos 42 anos, a agosto de 1859. O referencial cronológico é apresentado pela lua-de-mel de sete dias; três meses convividos com o patrão; noite do assassinato até o amanhecer; o dia do enterro; passagem de dias; duração do inventário; passagem de alguns meses. O referencial psicológico quando o narrador mergulha no passado lembrando-se de fatos passados que nunca poderia esquecer.
O clímax ocorre na noite do crime, em que se estabelece uma simetria estrutural em que o narrador para diante da alucinação, delírio, temor e remorso. Notam-se, quanto ao espaço, dois núcleos que se desenrolam no decorrer da narrativa, um é a cidade de Niterói, onde Procópio trabalha como copista em uma igreja e a vila do interior, para onde o protagonista se desloca para ser enfermeiro do coronel Felisberto. Os ambientes diversos são apresentados no percurso da narrativa como a casa do coronel onde se estabelece a dependência mútua; agressões verbais e físicas, quarto do coronel que ocorre luta e assassinato, sala contígua ao quarto do coronel ambiente de alucinação, delírio, temor e remorso, na sala mortuária ocorrem à manifestação inicial das enganosas aparências sociais, na rua podemos observar o crescimento do receio de punição, no Rio de Janeiro desassossego; adaptação à nova realidade de herdeiro universal, na vila do interior ocorre à mudança de personalidade em função das máscaras sociais burguesas.
            O conto apresenta no desfecho, uma estrutura social baseada em privilégios onde o ser humano é corrompido pelo dinheiro, pondo em evidência a ganância do lucro, egoísmo, calculismo e os prestígios sociais, além da transformação do homem em instrumento do dinheiro.
            Revela-se então, a ideia de que muitas vezes o universo de valores internos não corresponde aos externos. Machado de Assis tece intertextualmente questões sobre o livre arbítrio, vontade e aspectos relevantes à moral e faz um questionamento desses mesmos valores humanos pelo ficcional.

Por: Priscila de Sá Braga Fonseca

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