terça-feira, 17 de setembro de 2013

   A Carolina
Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.

Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
    Que, a despeito de toda humana lida,
    Fez a nossa existência apetecida
   E num recanto pôs um mundo inteiro.

Trago-te flores, - restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos 
E ora mortos nos deixa separados.

  Que eu, se tenho nos olhos malferidos 
     Pensamentos de vida formulados, 
São pensamentos idos e vividos
      Machado de Assis.


Reflexão
O eu lírico inicia o soneto construindo uma cena, o túmulo de sua amada. Ele descreve a morte como um descanso. No terceiro verso, da primeira estrofe o eu lírico faz um jogo com o presente e futuro, quando ele escreve “Aqui venho e virei,...” percebemos que há uma relação entre a vida e a morte, “Aqui venho”, ou seja, Aqui estou vivo, porém “virei”, o eu lírico não se conforma com a separação que a morte trouxera para ele e sua amada, percebemos a partir disto um paralelo entre o soneto e a vida de Machado, analisando alguns dados bibliográficos percebemos que Machado também passa pelo mesmo dilema do eu lírico, este soneto foi publicado em 1906, é interessante percebermos que em 1904 morre a esposa de Machado, dois anos após a morte de Carolina(esposa de Machado) ele publica este soneto, e quatro anos após a morte da amada e dois anos pós o soneto Machado morre, ainda em vida Machado deixa uma determinação,  que em sua morte ele deveria ser enterrado no mesmo túmulo de Carolina sua amada esposa. No verso citado no início do paragrafo, que foi escrito dois anos após a morte dela (Carolina) e dois anos antes a sua morte, o eu lírico deixa vestígios deste desejo de Machado.
Todo o soneto é embebecido de sentimentalismo, na segunda estrofe do soneto o eu lírico descreve o desejo de que ele e sua amada estivessem juntos, também escreve que o seu mundo, sua vida está “num recanto”, em um túmulo.
Na terceira estrofe o eu lírico constrói uma cena com a ação de levar flores ao túmulo, em seguida descreve como lembranças a sua relação de união e companheirismo com a amada. No ultimo verso da terceira estrofe, percebe-se que o eu lírico mesmo em vida se considerava morto após a morte de sua amada, e também expõem sua inconformidade de estar em uma condição diferente dela, ocasionando a separação entre ambos.
Nos dois últimos versos da quarta estrofe, o eu lírico expõem sua gratidão por sua amada, escrevendo “Pensamentos de vida formulados”- os pensamentos, conhecimentos que ele adquiriu (formulou) são graças a ela, “São pensamentos idos e vividos”, pensamentos idos e vividos esses, que foram passados da amada para o eu lírico.
Carolina Augusta Xavier de Novais era de origem portuguesa e muito culta, veio para o Brasil após a morte de sua mãe em 1866, um tempo depois seu irmão Faustino Xavier, amigo de Machado, adoeceu com problemas mentais, e em uma das visitas de Machado a seu amigo Faustino, conhece Carolina, o tempo passa, Machado e Carolina ficam noivos. Em 16 de agosto de 1869 Faustino Xavier de Novais morre, três meses após a morte de seu irmão Carolina se casa com Machado, em 12 de novembro de 1869. Após seu casamento com Machado, Carolina lhe apresenta a literatura alemã e inglesa, reformulando o estilo literário de Machado.
Neste soneto “A Carolina” Machado deixa vestígios através do eu lírico sua imensurável gratidão por tudo que Carolina foi para ele de maneira simples e singular.

“A literatura é, assim, a vida, parte da vida, não se admitindo que possa haver conflito entre uma e outra. Através das obras literárias, tomamos contato com a vida, nas suas verdades eternas, comuns a todos os homens e lugares, porque são as verdades da mesma condição humana." (COUTINHO, Afrânio. Notas de teoria literária. Rio de Janeiro: Vozes, 2008.)

Considerando o soneto, a reflexão e o trecho retirado do livro “Notas de teoria literária” de Afrânio Coutinho, responda. Qual o limite entre a vida e a literatura?
Obs.: Sua participação é de extrema importância para nós, por isso, não deixe de postar abaixo sua opinião ou comentário.

  Grata, Fernanda Machado.

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