No conto, podemos identificar um narrador personagem, que narra a história de Quintília, caracterizada por sua beleza divina, olhar derramado e sua aversão ao casamento. Lembrando que, como trata-se de um narrador que assume um aspecto memorialista, toda a narrativa é baseada em sua perspectiva, por isso o leitor é conduzido a compreender o que ele (narrador) deseja, o que é uma característica marcante nas narrativas machadianas.
O conto é iniciado com a marca de diálogo direto, presente em toda narrativa. “— Ah! conselheiro, aí começa a falar em verso.” Tal passagem nos remete a um diálogo que parece ter se iniciado anteriormente e a partir deste momento, o narrador, chamado de Conselheiro, começa a contar a um interlocutor sobre sua história com Quintília, as memórias vêm ao Conselheiro no instante em que eles passam pela Glória e avistam locais que o fazem lembrar de sua amada.
A desejada das gentes é mais uma prova da dualidade humana sempre relatada nas obras machadianas. Nela podemos encontrar marcas de inveja, ciúme, mentira, cobiça, vaidade e a incerteza da real felicidade, características próprias do ser humano, que insiste em camuflá-las, no entanto Machado traz à tona de forma irônica e realista.
Ao começar a relembrar sua historia com Quintilia e ao contá-la a seu amigo, Conselheiro diz que tudo, no começo, era só uma brincadeira sua e de seu amigo João Nóbrega. Afirma que ambos já a conheciam e nunca haviam pensado em namorá-la, fato que só ocorreu depois de ouvir alguns rapazes falando sobre a moça, exaltando seus atributos e tratando-a como algo inatingível. Todos desejavam Quintília e ela a ninguém. A partir daí começa o jogo da conquista, vemos então que o que está em questão é a cobiça e a disputa, um amigo querendo vencer o outro e não o amor a Divina Quintília.
Como os contos de Machado se enquadram no Realismo, tentemos esboçar o contexto social da época. No século XIX, o normal era que as mulheres casassem cedo e quisessem casar, mas a desejada das gentes era diferente, já tinha trinta anos e não pensava em casamento, razão pela qual incomodava a sociedade e era tão desejada. Pertencia a uma família rica, o que muito interessou Nóbrega. Normalmente as obras realistas nos mostram questões exteriores da humanidade em sociedade, mas Machado nos evidencia questões intrínsecas da vida humana sem distinções de sexo, raça, classe ou quaisquer considerações que nos distanciem uns dos outros. Em todo o conto podemos perceber certo caráter romanesco, na medida em que o Conselheiro declarava-se, exultava o amor, Quintília o repudiava trazendo questões da realidade, que melhor era que fossem amigos, este fato pode nos remeter a própria ruptura do Romantismo para o Realismo, no entanto, mesmo sendo obra realista, A desejada das gentes apresenta vestígios românticos quando faz alusão a dicotomia morte/vida, monstro/anjo, mor-te/esperança, entre outras. Como exemplo destas dicotomias, podemos citar o fato do Conselheiro ter se sentido esperançoso em conseguir casar com Quintília quando o tio da moça morreu, ora, ele sentiu-se feliz pela morte de outra pessoa, por interesse próprio. Quando está à beira da morte a moça aceita casar-se com o Conselheiro que diz tê-la abraçado como cadáver, lamentando a situação, o que seria para trazer-lhe felicidade só trouxe tristeza, por isso no fim da narrativa o narrador afirma: “Chame-lhe monstro, se quer, mas acrescente divino.”
Por:Suzana Correia Lemos
Por:Suzana Correia Lemos
Seu blog ficou muito lindo e interessante... Parabéns!
ResponderExcluirObrigada Rosi Ribeiro! Ficamos felizes com seu comentário e esperamos que este blog possa auxiliar a muitos amantes de literatura em suas pesquisas e análises deste grande escritor que foi Machado de Assis.
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