Este blog objetiva compartilhar com os leitores suas percepções literárias sobre as obras de Machado de Assis,visa salientar que as obras machadianas podem explicitar questões da realidade humana,bem como,sua dubiedade ,amor,traição,mentira,paixão e tudo que de fato faz parte da vida do homem e sua existência.Busca também fornecer informações sobre a biografia e as contribuições do autor para o estudo da literatura.
Durante a correção do Enem 2013, duas questões da prova cinza deste domingo (27) deixaram professores em dúvida quanto à alternativa correta. Confira! o corrigir as provas do Enem 2013, professores do Sistema de Ensino Poliedro ficaram em dúvida sobre a alternativa correta de duas questões da prova cinza deste domingo (27). As questões 106 e 116 envolvem a interpretação de texto e imagens.
A questão 106 da prova cinza de Linguagens exigia que o aluno interpretasse uma tirinha. Nela, o personagem Filipe, da Mafalda, diz: “A preguiça é a mãe de todos os vícios, mas uma mãe é uma mãe e é preciso respeitá-la, pronto!”. A partir disso, o estudante deveria analisar qual é o recurso monossintático que colabora pelo efeito de humor.
Segundo professores, existem duas possibilidades de alternativas corretas para essa questão. A alternativa A indica que é o emprego de uma oração adversativa que orienta a quebra de expectativa ao final. Já a alternativa B diz que o que causa o humor é o uso de conjunção aditiva, que cria uma relação de causa e efeito entre as ações. Assim sendo, as duas questões poderiam ser interpretadas como corretas.
Já a questão 116, também da prova cinza de Linguagens, envolvia a interpretação de um texto da obra Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, no qual o personagem principal revive a sensação do beijo trocado por Virgília. A partir da leitura, o candidato deveria analisar a alternativa que melhor justificasse o motivo pelo qual a metáfora do relógio desconstrói o paradigma romântico.
Para os professores, a alternativa D está correta porque o pensamento de Brás Cubas é “redirecionado” por parar de ouvir os instantes perdidos e observar os minutos ganhados. Logo, o paradigma romântico do tempo idealizado passa a ser materializado. Porém, a alternativa E também está correta por comparar a duração do sabor do beijo com a perpetuidade do relógio, sendo que o paradigma romântico do beijo é desconstruído pelo elemento não romântico que é o relógio.
Luiz Antônio
Aguiar, mestre em obras do escritor, conversou com estudantes do CMG nesta
sexta-feira
Foto: Maria Luiza Da Rolt
O Colégio Maximiliano Gaidzinski (CMG), de Cocal do
Sul, em parceria com a Editora Saraiva, recebeu nesta sexta-feira para proferir
palestra na área de literatura, o escritor Luiz Antônio Aguiar. O
carioca tem 150 obras publicadas e é mestre em Machado de Assis falou para mais
de 150 alunos da instituição e da escola Municipal Cristo Rei.
“A literatura brasileira é muito
interessante. Nós a estudamos em sala de aula e ter a oportunidade de conhecer
um escritor que se destaca em nível de Brasil e exterior e poder conhecer suas
obras é ainda mais motivador. Acho que enriquece ainda mais o nosso saber”,
observou a aluna Isadora Hoffman.
Segundo a professora de Língua Portuguesa Fátima
Porto, os alunos leram o livro de Machado de Assis e de Luiz Antonio. “Em
cima da leitura, os estudantes do ensino médio realizaram algumas atividades. O
escritor Luiz Antonio sabe muito sobre Machado de Assis e essa foi uma ponte
que abriu ainda mais a mente dos alunos e contribuiu para novos conhecimentos e
oportunidades. Sem contar na experiência profissional do autor que também pode
despertar o interesse nos alunos pela literatura e produção do saber”.
O escritor Luiz Antonio Aguiar é vencedor de dois
prêmios Jabuti, o Oscar da Literatura. Neste mês, o escritor foi um dos
palestrantes da Feira do Livro em Frankfurt, na Alemanha. Seus livros serão
publicados em breve para dois países. Este ano mais duas obras foram lançadas e
além de palestrante, Luiz Antonio realiza cursos nas secretarias municipais de
educação do Rio de Janeiro.
Com informações de Maria Luiza Da Rolt/ Instituto
Maximiliano Gaidzinski (IMG)
Biblioteca Miguel de Cervantes inaugura site sobre Machado de Assis (Foto: Reprodução)
A Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes inaugurou nesta quinta-feira (11) um site dedicado ao escritor Machado de Assis (1839-1908), um dos grandes mestres do realismo e o primeiro grande contista latino-americano. Nascido no Rio de Janeiro, Machado de Assis, que escreveu romances, contos, teatro, poesia e crítica, é considerado "um dos melhores escritores do século XIX e o melhor da América Latina", segundo a acadêmica, diretora de cinema e intelectual americana Susan Sontag. Diretor do site e professor da Universidade de Valência, Francisco José López Alfonso descreve Machado de Assis como "um dos grandes professores do realismo arcaico" e, "talvez, o primeiro grande contista latino-americano". Ele também destaca que o número de estudos sobre sua obra "continua crescendo de maneira impressionante" não somente no Brasil, mas também no mundo anglo-saxão. "Tomara que o site sirva para que aqueles leitores, principalmente os hispânicos, que ainda não conhecem a obra de Machado de Assis desfrutem desse prazer", afirmou López Alfonso na apresentação do site sobre o escritor. A Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes foi criada em 1999 por iniciativa da Universidade de Alicante, do Banco Santander e da Fundação Botín. Em 2001 foi constituída a Fundação Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes que, desde então, trabalha para transformar seu grande acervo digital em uma referência da literatura hispânica na internet
Sabemos que as obras do Autor de Memórias Póstumas de Brás Cubas se dividem em duas escolas literárias, o Romantismo e o Realismo, no entanto hoje, nos deteremos ao que de fato significa uma obra realista. Partindo do pressuposto de que no realismo a principal característica é a imitação do que se vê na sociedade, podemos dizer que um autor, para produzir uma obra realista precisa basicamente capturar um fato social e transformá-lo em "fictus", ou seja , ficção. A partir deste momento, o que era real torna-se monumento artístico e sem obrigatoriedade de coincidir com a realidade.
Se analisarmos as produções machadianas veremos definitivamente que o autor não compartilha com o caráter mimético do realismo,pois enquanto outros autores se preocupam em escrever o que está sendo visto pela sociedade, Machado desnuda o interior da alma humana desvelando sua essência instintiva e brutal, deixando transparecer aquilo que ninguém quer ver, a verdade, ou, as verdades.
Em lugar do mimetismo realista, utiliza o mimetismo antagônico. Suas narrativas sempre são envoltas de certa polifonia, seus narradores são atores que dão voz a diferentes pontos de vista. Geralmente em outras produções vemos sempre a classe alta sendo valorizada, porque rico normalmente não fala mal de rico, preferem manter as aparências, mas Machado encontrou uma forma de dar voz ao pobre, ou permitir que sua verdade também seja exposta, faz um rico falar mal da própria classe, eu disse falar mal? Perdoe-me, eu quis dizer, falar a verdade! É o que acontece com as personagens Brás Cubas de Memórias Póstumas e Quincas de Quincas Borba.
Como podemos ver, Machado vai muito além daquilo que o sistema em que a crítica se insere pode compreender, é muito mais que realista.
Agora é com vocês! Pesquisem, leiam, tirem suas próprias conclusões. Acessem nossa página sobre as obras do autor e confiram suas produções na íntegra. Boa leitura!
É
feita uma tentativa de compreensão de alguns aspectos do romance Dom Casmurro,
de Machado de Assis, tendo a teoria psicanalítica como base. Busca-se
compreender a trama romanesca a partir do fato de ser o relato de um
autor/personagem, de caráter subjetivo, o que instaura, de imediato, uma
ambigüidade que condiciona o relato e tem exatamente aí seu elemento estético fundamental.
Destaca-se que uma leitura que considere esses fatos leva à conclusão que
Bentinho, e não Capitu, é o personagem principal, sendo aquele tão rico e
misterioso como esta.
Machado
de Assis é o maior escritor da literatura brasileira de todos os tempos. Dom
Casmurro é considerado sua obra principal e mais não é necessário acrescentar.
Numa pesquisa de janeiro de 1999, A Folha de São Paulo mostra que Dom Casmurro
é considerado o segundo melhor romance da literatura brasileira (alguns
críticos o consideram o primeiro), vindo após Grande Sertão: Veredas. Como
personagem feminina, Capitu parece despertar mais interesse que Diadorim.
Talvez Grande Sertão seja melhor romance que Dom Casmurro, mas Guimarães Rosa
tem altos e baixos em sua obra; já Machado não oscila assim, mostrando uma qualidade
sempre homogênea em seus romances.
Dom
Casmurro gera polêmicas. Há alguns anos atrás (Ilustrada, 1992), a partir de
uma pergunta no vestibular de São Paulo, na qual foi sugerido que Capitu não
traíra Bentinho, o escritor Oto Lara Rezende saiu, indignado, em defesa de
Bentinho, dizendo que Capitu traíra, sim. Acendeu-se um debate que, de certo
modo, continua, pois muito possivelmente os participantes sigam mantendo seu
ponto de vista, uns achando que Capitu indiscutivelmente traiu, outros que não
o fez, sendo vítima de um marido ciumento, o “Othelo” brasileiro.
Nossa
idéia, sem tentar manter um ponto de vista neutro nessa polêmica, é que o
romance tem precisamente aí, nessa ambigüidade, seu elemento estético de maior
significação. Como bem lembrou um crítico (Caderno Mais,1999), há, no livro,
dados que permitem tanto uma quanto outra conclusão. Se Capitu não traiu,
poderia ter traído. Se Bento Santiago não imaginou tudo, poderia ter imaginado.
A riqueza e densidade de ambas as personagens possibilitam que cada leitor faça
sua leitura, tão legítima quanto qualquer outra. Podemos, portanto, como
leitores, fazer nossa leitura preferencial, sem maior justificativa que nossa
preferência apenas.
Ora,
a teoria psicanalítica, desde seu surgimento, incluiu-se não só entre os
instrumentos de interpretação do texto literário, pelo lado do leitor, como
também, pelo lado do autor, somou-se àqueles elementos dentre os quais o
criador da obra vai garimpar, consciente ou inconscientemente, a matéria-prima
constitutiva da sua arte. Otto Maria Carpeaux (1968) afirma que “há poucos
críticos literários que não empregam, pelo menos ocasionalmente, a psicanálise
para interpretar as obras de arte. A literatura, por sua vez, começou a empregar
a psicanálise para interpretar a vida. Sem a psicanálise não haveria literatura
moderna, embora a influência nem sempre seja direta e admitida” (grifo nosso).
Assim, recorre-se à psicanálise para escrever e para ler a obra literária.
Dentro dessa tradição é que faremos uma tentativa de entendimento de alguns
aspectos de Dom Casmurro.
Começamos
com um posicionamento que julgamos impor-se: considerando o universo fechado do
romance, aceitando sua verossimilhança com a realidade, conditio sine qua non
de qualquer obra literária, vê-se que o relato é feito na primeira pessoa, é um
autor/personagem que fala; ainda mais, no momento de seu relato, todos os
outros personagens já morreram.
Não
temos, portanto, o testemunho “dos outros”. Temos somente a perspectiva
subjetiva do autor, com toda a decorrência, portanto, do relato subjetivo.
Apenas para comparar: em Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, no qual o
relato também é feito na primeira pessoa, quando também todos, ou quase todos,
estão mortos, não é o autor/personagem que descobre que Diadorim é mulher. Ao
prepararem o corpo para o enterro, é feita a descoberta, pelos outros, e o autor/personagem
só então fica sabendo. Temos o testemunho “dos outros”; sabemos então que
Riobaldo não “viu” uma mulher em Diadorim para justificar, por exemplo,
possíveis impulsos homossexuais; não ficamos apenas com a visão do autor como
em Dom Casmurro.
Assim,
o relato de Bento Santiago existe dentro de um universo pessoal, subjetivo,
podendo ser colocado “em suspenso’, muito próximo do relato de um paciente, por
exemplo. Capitu, portanto, é-nos apresentada segundo a visão de Bentinho, a
Capitu que ele viu. Dessa forma, como lembra um crítico, “...o leitor não tem
recursos para saber o que houve na realidade objetiva, pois apenas Bentinho nos
conta a sua história, ou a sua versão de uma história que não conhecemos”.
(Leite,1987).
Isso,
de certo modo, define qual deve ser nossa perspectiva: o livro não gira em
torno de Capitu, mas em torno de Bentinho, o narrador/personagem. Entendemos
que, ao contar-nos a história de seu romance, mesmo sendo Capitu a principal
figura do relato, é perfeitamente legítimo deduzirmos que Bentinho está
falando, se não de si mesmo, de suas relações com ela e com os outros. O
personagem central do romance, dessa forma, não é Capitu, mas Bento.
Evidentemente, não queremos desmerecer Capitolina, a personagem feminina de
maior profundidade psicológica da literatura brasileira (e, provavelmente, a
mais estudada, também). Apenas que, entre o amante e o objeto amado, vemos mais
riqueza no amante, uma vez que, nesse caso, o objeto amado é criação do amante.
Como
personagem, Bento Santiago é tão ou mais rico que Capitu. Isso parece
contradizer o que afirmamos linhas acima, sobre a riqueza da personagem. Mas
não, é apenas uma opinião de leitor, e a riqueza de um personagem não diminui
ou nega a riqueza de outro. Fiquemos, portanto, com Bento, o que não é pouco.
Bentinho
nos dá uma imagem encantadora de Capitu. Não só porque a amou (e, imaginamos,
ainda a ama, ao escrever), mas também porque, de tanto falar dela, quase nos
esquecemos dele; ele esconde-se, por assim dizer, atrás de Capitu. Vemos mais a
ela, menos a ele.
Um
exercício de leitura do romance que inclua o referencial psicanalítico permite
descobrir, no personagem que fala, elementos reveladores de seu mundo interno.
A crítica que afirma que Capitu traiu ignora esse ângulo, sendo, portanto, no
nosso entender, pré-freudiana. Uma leitura psicanalítica de Dom Casmurro nos
leva, forçosamente, a observar mais Bentinho que Capitu.
A
obra romanesca de Machado de Assis costuma ser dividida (Freitas, 2001) numa
primeira fase – romântica – de Ressurreição (1872) até Iaiá Garcia (1878),
também chamada de o ciclo da ambição – na qual a temática central é a da
ascensão social e seu preço; e uma segunda fase – realista – de Memórias
Póstumas (1881) até o fim, na qual Machado aprofunda o estudo psicológico dos
personagens, descrevendo “o outro lado” do homem, seu lado obscuro, suas
motivações inconscientes. Nesta, o estilo muda: torna-se argumentativo,
crítico, ponderado, reflexivo; há o diálogo constante com o leitor e,
principalmente, não há certeza no que é dito (Gomes, 1967). Os acontecimentos
são poucos, os fatos são quase estáticos, não há, ou há muito pouco, movimento,
que cede lugar à reflexão. A ênfase da narrativa não está nos fatos, mas nas
motivações que levam a eles. Buscam-se os sentimentos, as paixões motivadoras.
E não há, por isso, certezas. Não podemos ter certezas com o que povoa a alma
humana. Machado instaura a retórica do preferível, do razoável, ao invés da
certeza, do exato, como disse um autor (Perelman, apud Freitas {2001}).
Instala-se a ambigüidade. Não se sabe mais o que é verdadeiro e o que é
aparente. O relato passa a ser através da subjetividade do personagem/autor.
Assim é Memória Póstumas, Dom Casmurro, Esaú e Jacó, Memorial de Aires. Mas onde
tal subjetividade alcança seu momento máximo é em Dom Casmurro.
Aqui,
o relato se dá na velhice do autor, quando todos os envolvidos estão mortos.
Não há testemunhas. E o tempo, podemos acrescentar, é outro fator a distorcer
os fatos: a memória pode ser traiçoeira. “Não, não, a minha memória não é boa.
Ao contrário, é comparável a alguém que tivesse vivido por hospedarias, sem
guardar delas nem caras nem nomes, e somente raras circunstâncias” (Dom
Camurro, cap LIX). Esse, o clima narrativo de Dom Casmurro: memórias (com suas
possíveis distorções) de vivências (totalmente subjetivas).
Pois
bem, de que trata Dom Casmurro? Em termos factuais, isto é, ‘o que acontece’, é
possível um resumo rápido: trata-se do relato da vida amorosa de Bento
Santiago, desde a infância/adolescência, de onde o acompanha Capitu, até o fim
de seu casamento, após suspeitar – depois, ter certeza – da traição dela com
seu amigo Escobar. Separam-se, Capitu vai para a Europa com o filho e lá morre;
o filho, após ver o pai ainda uma vez, viaja novamente para o exterior e morre.
Com o tempo, o solitário Bento transforma-se no casmurro do título e decide
escrever o livro, para tentar, talvez, entender melhor o que aconteceu.
Mas
os fatos, como já dissemos, são de pouca importância. é o mundo das vivências
de Bentinho que desfila diante de nós.
Para
quem o lê – o ouve – com o espírito leve – ou menos crítico – fica o relato da
traição da mulher que tanto amou desde a infância. Ou seja, o romance é o
relato de uma traição. Ou dupla traição, já que há também o amigo traidor. E a
explicação para tal fato fica na má índole da traidora. é o ponto de vista do
narrador, que se pergunta no final: “O resto é saber se a Capitu da praia da
Glória (Capitu adulta e adúltera) já estava dentro da de Matacavalos, (Capitu
criança) ou se esta foi mudada naquela por efeito de algum caso incidente”
(cap.CXLVIII). Convenhamos, é uma leitura muito limitante. O melhor é optar, no
mínimo, pela dúvida. Poderia ter traído.
Uma
leitura outra, menos imediata para os fatos, pode revelar o mundo do personagem
que narra, o narrador por trás do fato narrado, Bentinho por trás de Capitu. O
autor que repudia sua mulher e nega sua paternidade. Aqui, o desejo, depois de
ter chegado à velhice, de relatar os fatos para entender o que houve, sugere um
desejo de reparação, um sentimento de culpa. No capítulo II, dá-nos uma
justificativa para escrever o livro, que parece-nos reveladora. Depois de velho
e só, deseja “atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência”.
Para isso, manda reconstruir, no bairro do Engenho Novo, a antiga casa de
infância da rua de Matacavalos, com a mesma arquitetura por dentro (alcovas,
varandas, salas) e por fora (flores, legumes, chacrinha). Mas não atinge seu
objetivo: “não consegui recompor nem o que foi nem o que fui”, “falto eu mesmo
e essa lacuna é tudo”. Então, “os bustos na parede” (projeções de seus objetos
internos?) lhe sugerem que pegasse na pena e contasse algo dos tempos idos,
para ter a ilusão dessa restauração. Ou seja, Bento vai “em busca de um tempo
perdido”, quer reconstruir algo. Quer reparar algo. Já todos estão mortos,
perdidos, só ele sobreviveu. Podemos supor que está triste, além de só. Evocar
pela escrita seus mortos é uma forma de reencontrá-los e refazer sua relação
com eles. é um homem culpado e triste o que vemos, em que pese o tom de
tranqüilidade que exibe, como se fosse movido apenas pelo tédio: “Ora, como
tudo cansa, esta monotonia acabou por exaurir-me também. Quis variar, e
lembrou-me escrever um livro.” Pensou no que escrever, “jurisprudência,
filosofia e política” , uma “história dos subúrbios”, mas nada o agradou. Ao
ouvir os bustos na parede decide contar os fatos passados. Vai à procura das
“inquietas sombras” que tem dentro de si mesmo, como no Fausto de Goethe, a
quem cita nessa passagem. “Desse modo, viverei o que vivi”, ou seja, queria
re-viver o que viveu (cap. II).
E
ao contar – e reviver o que viveu – revela-se ao leitor. Sem, evidentemente,
esgotar a análise do personagem, podemos, auxiliando-nos também da crítica
machadiana, destacar alguns pontos. A primeira hipótese que salta à vista é sua
submissão à mãe. Bentinho adolescente não ousa jamais, mesmo arriscando-se a
perder Capitu, enfrentar sua mãe e rejeitar seja sua ida, seja depois sua permanência
no seminário. D. Glória (a mãe) é que aos poucos vai desistindo da idéia (sob
influência de Capitu) e o amigo Escobar é que decide a situação, com a sugestão
de arranjarem quem o substitua na carreira de padre.
Bentinho
apenas concorda: “Sim, parece que é isso; realmente, a promessa cumpre-se, não
se perdendo o padre.” Submetido à mãe, sem a presença do pai, morto quando
contava quatro anos apenas, em pleno período edípico, quais eram seus modelos
masculinos? Tio Cosme, “era gordo e pesado, tinha a respiração curta e os olhos
dorminhocos” (cap. VI), pessoa sem destaque, também submetido a D. Glória. José
Dias, o agregado, era um empregado, dedicado, certamente, mas não passava de um
serviçal. Além disso, mentiroso, pois arvorara-se em médico para agregar-se à
família. Não há figuras masculinas marcantes. D. Glória reina soberana e
impositiva. Os homens que circulam na família lhe são servis: aos já citados,
acrescente-se o padre e o próprio pai de Capitu, o Pádua. Os homens são fracos
e/ou ausentes na infância de Bentinho. Só Escobar, o amigo que surge no
seminário, vem apresentar elementos masculinos significativos, e com ele
Bentinho estabelece um vínculo forte, como se buscasse, desesperadamente, uma
figura masculina digna do nome para identificar-se. D. Glória traçara
previamente o destino do filho: seria padre, o que significa estar destinado ao
celibato, a não ter vida sexual.(Freitas, 2001). Bentinho, já francamente
apaixonado por Capitu, não parece ter forças sequer para tentar mudar seu destino.
A própria D. Glória, lá pelas tantas, fica dividida quanto à decisão, esperando
que o amor do filho por Capitu o “levasse a não ficar lá, nem por Deus, nem pelo
diabo”. (cap. LXXX) Nem assim Bentinho age.
Sempre
indeciso e passivo, é o exato inverso de Capitu, que é decidida, ativa,
inteligente. Conquista D. Glória, “começou a fazer-se-lhe necessária. Pouco a
pouco veio-lhe a persuasão de que a pequena me faria feliz.” (cap. LXXX), e,
com isso, facilita a saída de Bentinho do seminário. Uma conquista sua e de
Escobar. Durante todo o desenrolar dessa situação, Bentinho foi apenas um
expectador. Capitu constrói o destino dela e o dele, ao mesmo tempo. Ele apenas
contempla.
Capitu
traiu? é impossível evitar essa questão, já que é assunto certo nas discussões
sobre o romance. O elemento central da certeza de Bentinho quanto à traição é a
semelhança de seu filho com Escobar. Mas só ele dá importância ao fato. Além do
mais, a mãe da amiga Sancha (que depois se torna esposa de Escobar) era
parecida com Capitu, afirma Gurgel, pai de Sancha, acrescentando que também
várias pessoas assim pensavam. Ou seja, pode haver semelhanças assim, casuais.
E ficamos somente com a versão do narrador, Bentinho. Quais os fatos sobre a
traição de Capitu? Nenhum. Bento só nos apresenta indícios, hipóteses. Há
suspeitas, sugestões, interpretações, mas não fatos. Ao longo do livro, vemos
que a própria Capitu assinala a semelhança entre os olhos do filho e os do amigo.
Se tivesse traído, faria isso? Vemos também que, em uma ocasião, Escobar vai à
casa de Bento quando ele não está (o episódio das libras). Noutra ocasião, ao
voltar mais cedo do teatro, onde Capitu deixara de ir à última hora por se
sentir doente, Bento encontra Escobar chegando à sua casa. Noutro momento,
Bento acha que sua mãe está mais fria com eles e com Escobar. Tais dados vão
sendo colocados ao longo do livro, não relacionados entre si, mas de forma que
sutilmente sugerem ao leitor a suspeita do narrador a respeito de Capitu. Mas
não são fatos concretos, podem não passar de suspeitas de um ciumento. Ao ser
confrontada com a suspeita do marido, Capitu reage indignada. Em nenhum momento
aceita seus argumentos. Em dado momento, Bento interpreta o olhar de Capitu
como uma confissão: “Palavra que estive a pique de crer que era vítima de uma
grande ilusão, uma fantasmagoria de alucinado; mas a entrada repentina de
Ezequiel, gritando: – ‘Mamãe!, Mamãe!, é hora da missa!’, restituiu-me à
consciência da realidade. Capitu e eu, involuntariamente, olhamos para a
fotografia de Escobar, e depois um para o outro. Desta vez a confusão dela
fez-se confissão pura. Este era aquele; havia por força alguma fotografia de
Escobar pequeno que seria o nosso pequeno Ezequiel. De boca, porém, não
confessou nada; repetiu as últimas palavras, puxou do filho e saíram para a
missa” (cap. CXXXIX) . “A confusão dela fez-se confissão pura” é interpretação
de Bentinho. Podemos pensar que ele viu assim. Há algo mais subjetivo (ou
projetivo) que a interpretação de um olhar?
Um
dado interessante do romance é que as suspeitas de Bentinho se acentuam após a
morte do amigo. Num sábado, todos reunidos na casa de Escobar, Bentinho, ao
olhar Sancha, sente que “os olhos de Sancha não convidavam a expressões
fraternais, pareciam quentes e intimativos” (cap. CXVIII). Mais de uma vez se
olham naquela noite e Bentinho é tomado pelo desejo da mulher do amigo,
adivinhando que ela o deseja também. Conta que ao chegar em casa combateu
“sinceramente os impulsos que trazia do Flamengo; rejeitei a figura da mulher
do meu amigo, e chamei-me desleal.”(idem) No dia seguinte, Escobar morre
afogado. No enterro, Bentinho tem a atenção despertada pelo olhar que Capitu dá
ao morto: “os olhos de Capitu fitaram o defunto, quais os da viúva, sem o
pranto nem palavras desta, mas grandes e abertos, como a vaga do mar lá fora,
como se quisesse tragar também o nadador da manhã” (cap.CXXIII). Não seria
projeção? Bentinho, culpado, atribuindo a Capitu o olhar de desejo que tivera
por Sancha? Bentinho, ao se sentir traindo o morto, vê-lo como traidor?
Escobar, de traído a traidor, Capitu, de traída a traidora. E sempre a
interpretação dos olhares. O olhar de Bentinho, o olhar de Sancha, o olhar de
Capitu, o olhar do filho, que é o olhar de Escobar. Escobar, morto, acusa
Bentinho através dos olhos de Ezequiel. Além disso, numa outra forma de
entender o ciúme de Bento, podemos suspeitar de um vínculo homossexual
inconsciente entre ele e Escobar. Havia desde o início da amizade uma admiração
muito grande por Escobar. Bentinho sentia-se fortemente vinculado ao amigo, que
tinha total ascendência sobre ele. “A alma da gente, como sabes, é uma casa
assim disposta, não raro com janelas para todos os lados, muita luz e ar puro.
Também as há fechadas e escuras, sem janelas, ou com poucas e gradeadas, à semelhança
de conventos e prisões. (...) Não sei o que era a minha. Eu não era ainda
casmurro, nem dom casmurro; o receio é que me tolhia a franqueza, mas como as
portas não tinham chaves nem fechaduras, bastava empurrá-las, e Escobar
empurrou-as e entrou. Cá o achei dentro, cá ficou, até que...” (cap. LVI). Em
uma ocasião, no seminário, um padre e alguns alunos acharam estranha a efusão
entre os dois, o que os fez ouvir uma censura: “A modéstia, disse-nos, não
consente esses gestos excessivos; podem estimar-se com moderação”. E na véspera
da morte de Escobar, este mostrou seus músculos a Bento, pedindo-lhe que os
apalpasse. Bento justifica-se que o fez com o pensamento nos braços de
Sancha...
Mesmo
levando-se em conta a narrativa possivelmente suspeita de Bentinho, Capitu
permanece uma personagem ambígua. E essa ambigüidade a torna a personagem mais
interessante e misteriosa de nossa literatura. Tanto pode ser a “cigana oblíqua
e dissimulada” como a amada possuidora dos “olhos de ressaca”. Tinha uma
feminilidade marcante: “Capitu era mulher por dentro e por fora, mulher à
direita e à esquerda, mulher por todos os lados, e desde os pés à cabeça” (cap.
LXXXIII); “Capitu era Capitu, isto é, uma criatura mui particular, mais mulher
do que eu era homem” (cap. XXXI). Os olhos de Capitu e sua relação com o mar
dão bem uma tese. Seus braços, idem (aliás, os braços femininos são um fetiche
machadiano, aparecem em várias de suas obras, sempre provocantes. Ver, por
exemplo, o conto “A missa do galo”). Capitu era mais mulher que Bentinho homem.
Talvez por saber-se menos homem, sentiu-se ameaçado e depois traído. Por ser
menos homem, não conseguiu ser pai, rejeitando o próprio filho.
Por
fim, algum elemento biográfico. “Machado de Assis não era apenas ciumento, mas
ciumentíssimo, a ponto de não permitir que a mulher apertasse a mão aos amigos
mais íntimos, até quase ao final da vida” (Gomes, 1967), em que pese sua mulher
(Carolina) nunca ter-lhe dado pretexto para tal. Machado era mulato, a mulher,
branca (como Othelo e Desdêmona, lembra-se um autor {idem}). O ciúme, portanto,
não era para ele apenas um tema literário interessante, mas algo que tinha presente
em sua vida, vivia-o.
E,
ao que parece, no fim da vida o autor transforma-se no personagem. Eugênio
Gomes cita um biógrafo de Machado: “Machado de Assis, depois que lhe morreu a
mulher, viveu em completo isolamento. ... Daquela casa saía e entrava
diariamente um homem que não conhecia os vizinhos, que se esquivava aos
cumprimentos, com receio que lhe dirigissem a palavra” (Gomes, 1967) E
acrescenta: “Deram-lhe a alcunha de Bruxo do Cosme Velho e está visto que
mereceria também a de Dom Casmurro... Aparentemente o autor imitava a personagem
mas a verdade é que eram muito parecidos um com o outro” (Gomes, 1967). Mas isso é tema para outro encontro.
Summary
An attempt to understand some
aspects of the novel Dom Casmurro by Machado de Assis is made based on the
psychoanalytic theory. The author tries to understand the plot of the novel
taking into consideration that he is dealing with a subjective story whose
narrator is an author/character. This duplicity immediately establishes the
ambiguity that sets the conditions to the development of the story, and which
constitutes its fundamental aesthetic element. It is important to emphasize
that an interpretation that considers these facts leads to the conclusion that
Bentinho, and not Capitu, is the main character, since he is as full of possibilities
and mystery as she is.
Resumen
Se hace un intento de comprensión en
algunos aspectos de la novela Dom Casmurro, de Machado de Assis, teniendo la
teoría psicoanalítica como base. Se procura comprender la trama novelesca a
partir del hecho de que sea el relato de un autor/personaje, de carácter
subjetivo, por lo que se instaura, de inmediato, una ambigüedad que condiciona
el relato y está exactamente ahí su elemento estético fundamental. Se destaca
que una lectura, que considere esos hechos, lleva a la conclusión de que
Bentinho, y no Capitu, es el personaje principal, siendo aquél tan rico y
misterioso como ésta.
Referências
Carpeaux,
O.M. (1968). As revoltas modernistas na literatura. Rio de Janeiro: Ediouro.
Caderno
Mais. (1999). Folha de São Paulo, 3 /1/99.
Folha
Ilustrada. (1992). Folha de São Paulo, 16/1/92.
Freitas,
L.A. (2001). Freud e Machado de Assis. Rio de Janeiro: Mauad.
Gomes,
E. (1967). O enigma de Capitu.Rio de Janeiro: José Olympio.
Leite,
D.M. (1987). Psicologia e Literatura. São Paulo: Hucitec/Unesp.
Machado
de Assis (1899). Dom Casmurro. São Paulo: Três, 1986.
Como vocês podem
observar, nosso blog destina-se a analisar algumas obras de Machado de
Assis e também postar notícias, dicas e temas afins ao autor. Hoje não
farei nenhuma análise de uma obra específica de Machado de Assis, mas
sim, gostaria de compartilhar a riqueza estética deste autor e levá-los
a apenas contemplá-la.
A obra de arte, sendo ela escrita, pintada
ou etc, não é concebida intencionalmente, mas sim, apenas para que sua
beleza seja contemplada. A obra de arte é muito bem pensada, nada nela
é espontâneo, os recursos de linguagem são bem explorados e esta faz
uma espécie de enquadramento que coloca o que está nela contido fora do
mundo da realidade, para que nao cause interferência no efeito estético.
Por
isso queridos amigos, convido vocês a lerem as obras de Machado de
Assis, sem nenhum tipo de pré-conceito, sem nenhuma pré-conclusão,
apenas se deixem levar pela beleza e riqueza da obra e deixe que o
texto fale com vocês, e assim, com base nas informações passadas por
ele, a leitura será bem mais entendida e apreciada como toda boa obra
deve ser!
Literatura
ou jornalismo? Ou literatura e jornalismo? O lançamento das crônicas de Machado
de Assis em livro – assunto que rendeu inclusive um artigo da professora Ana
Flavia Cernic Ramos na edição de maio de 2011 da Revista de História - traz
novamente essas perguntas à tona: o que seria esse gênero híbrido que trafega
entre a ficção e a não-ficção? “A crônica é um tipo de produção que é ao mesmo
tempo literária e tem um protocolo característico em relação com os
acontecimentos do momento”, opina o professor Sidney Chalhoub, da Unicamp, que
está no projeto de relançamento das crônicas machadianas desde o seu início.
Chalhoub, que toca diretamente as edições da série “A+B” e “Gazeta de Holanda”,
lembrando a importância cultural do jornal no século XIX como o lugar onde a
literatura brasileira acontecia. Somente após passar pelos diários é que os
folhetins e contos seguiam para o livro, no formato de romance ou coletânea de
contos.
Óleo sobre tela de Henrique Bernardelli retratando Machado de Assis, 1905
O
professor de História da PUC-Rio Leonardo Pereira, que organizou a série
machadiana “História de quinze dias”, também acha que a crônica, “como qualquer
gênero literário”, não se presta a definições muito fáceis.
“Sua
principal característica foi a ligação com os temas em debate no momento da
escrita”, escreveu ele, para quem o formato se consolidou no Brasil entre as
últimas décadas do século XIX e as primeiras do XX. “Ligadas ao jornal, dentro
do qual surgiram e se desenvolveram, as crônicas guardam a vocação do diálogo
direto com as questões do tempo – ainda que não se confunda em nenhum momento
com a simples reportagem, dado o caráter inventivo que elas assumiram na
produção dos nossos principais cronistas.”
A produção de bons cronistas no Brasil no
século XX, segundo sugeriu a professora de literatura brasileira Unesp Lúcia
Granja – que ficou com os “Comentários da Semana”, junto de Jefferson Cano – se
deveu a uma questão mercadológica. Os escritores continuaram vinculados aos
jornais porque o nosso mercado editorial não se desenvolveu como em outros
países.
“Como
os escritores não abandonaram o jornal, eles criaram formatos novos para a
crônica. O leitor do século XIX tinha a expectativa que esse espaço fosse
literário. No século XX, os escritores tiveram que desenvolver a crônica. Até
chegarem na poética do instantâneo, como dizia Antônio Cândido”, contou a
professora, fazendo coro com o professor Chalhoub, que também vê uma produção
forte brasileira em crônicas no século XX, diferentemente de outros países,
tendo chegado até os dias de hoje com escritores como Luis Fernando Verissimo.
“O
autor presta o testemunho da história do tempo que se desenvolve. Assim como o
escritor, que cria um autor, que faz um comentário, mas um comentário
jornalístico. A crônica é um gênero híbrido, a interseção entre jornalismo e
literatura.”
Joaquim
Maria Machado de Assis foi jornalista antes de ser funcionário público, tendo
trabalhado no “Diário do Rio de Janeiro”, a partir de 1860, como conta o
professor de Literatura brasileira da Unicamp Jefferson Cano. Foi lá que o
futuro autor de “Memórias póstumas de Brás Cubas” começou a se exercitar como
cronista, assinando os “Comentários da Semana”, entre 1861 e 62, quando ele tinha
22 anos.
“Acho
que esse período pode ser visto como um aprendizado do grande ficcionista que
só vai entrar em cena mais tarde. Nesse período, a crônica não é a única
inserção de Machado na literatura (ele também faz crítica teatral e escreve
algumas peças de teatro); mas o trabalho de cronista é o mais constante”,
escreveu Cano, afirmando que as mais de 600 crônicas dos quase 40 anos de
atividade são as partes menos conhecida de seu trabalho.
Para
ele, há duas características marcantes desde o início nas crônicas machadianas,
que vão se fortalecendo ao longo de sua produção: a busca de uma voz
estilística e o engajamento político. “Talvez possamos dizer que o
amadurecimento do escritor, a elaboração do estilo literário faz também com que
o comentário político se torne menos direto, menos jornalístico e mais enredado
na própria construção do texto, na maneira como se constrói um personagem, no
recurso à ironia. E isso tanto na crônica quanto na ficção, até o seu último
livro, ‘Memorial de Aires’.”
A
crônica não era um laboratório para se usar os resultados em outros formatos,
opina a professora Lúcia Granja. Ela cita as “Notas semanais” (1878), que ela
editou ao lado de John Gledson, como a demonstração de que as inovações
narrativas de “Memórias póstumas...”, publicado em livro em 1881, já estavam,
de certa forma, apontadas nessas crônicas e nos contos reunidos em “Papéis
avulsos”. Na recente edição deste livro, publicada agora em 2011, Gledson
escreve no prefácio que “há uma linha de especulação e de experimentação na
ficção, também concentrada nos últimos anos de 1870 (...). Esse material
divide-se em dois: um conjunto estranho de nove itens (...); e catorze
crônicas, chamadas ‘Notas semanais’, das mais interessantes que escreveu.”
Um
dos recursos desenvolvidos por Machado foi a criação de personagens que
assinavam suas crônicas, como é o caso de Lélio, pseudônimo que assinava as
“Balas de estalo”, objeto do artigo publicado na RHBN de maio de 2011, ou
Manassés, responsável pela “História de quinze dias”, a primeira experiência
nesse sentido.
“A
crônica, nesses casos, tem maneiras e assuntos que não podem ser ligados ao
autor, mas ao personagem que Machado atribui”, argumenta Chalhoub, que cita
seus personagens escritores mais famosos Brás Cubas e Dom Casmurro, como
exemplo de que a proposta também foi levada para os seus livros mais famosos.
“Ainda que o protocolo da crônica não seja o da ficção, o autor constrói esse
narrador de maneira preconcebida, como acontece no romance.”
Todos
são unânimes em apontar a necessidade de se fazer essa nova edição das crônicas
machadianas para o acréscimo de informação em notas que dê mais ferramentas aos
leitores para a total compreensão dos fatos abordados nas crônicas. Os
professores acreditam que as crônicas de Machado se sustentariam sem
interferência, mas acredita que, como há muitas referências aos acontecimentos
da época, a pesquisa aos periódicos publicados e até em outros veículos ajuda
no melhor entendimento dos acontecimentos da época.
“A
crônica foi um gênero praticado com enorme regularidade por Machado de Assis,
que ajudou mesmo a definir os contornos assumidos pelo gênero no Brasil”,
conclui Leonardo Pereira, dando uma visão geral sobre a importância do gênero
para o escritor e para a literatura nacional.