Podemos articular o
conceito de trágico a teoria filosófica e a ficção, e ligá-lo à tragédia,
gênero literário-teatral, e por conter temas que, alimentam algum tipo de
reflexão filosófica. Neste movimento que vai do primeiro ao último filósofo, o
trágico de deslocou da esfera da ficção e, consequentemente, da falsidade, para
a esfera da vida, da realidade, afirmando-se como ausência de fundamento. Essa
nova caracterização do trágico é uma criação da Modernidade. O trágico passa
então a deixar de pertencer à tragédia passando assim a se manifestar em outras
formas de expressão artística.
"O espelho", repleto de expressão
formal, profunda análise psicológica e uma atmosfera pessimista e desiludida,
vem marcar a segunda fase da obra de Machado, elucidando questões de natureza
filosófica, como a relação entre identidade e alteridade; a vida como
representação ou o mundo como teatro; a presença de uma dimensão incomunicável
no ser; a alienação; a vida social condicionando o comportamento, impondo a ausência
de liberdade do indivíduo e, como variação deste tema, o da ascensão social
como forma de mascaramento.
Para nossa discussão de consicência
trágica, é relevante o questionamento sobre os limites entre o “si mesmo” e o
“outro”, uma vez que parecemos um ser para os outros, à máscara social, a
aparência, a tudo que se manifesta e na verdade somos outro ser na realidade,
que está associado à sombr, o reflexo do espelho. A consciência trágica ocorre
com a ruptura com os limites do “si
mesmo” que acarreta em uma integração do eu ao mundo, propiciando uma visão
mais autêntica e profunda da realidade. Através desse desvelamento do ser
humano o conto teatraliza a passagem de um estado a outro, da luz à sombra, da
sombra à luz, e revela assim a duplicidade do ser humano, sem priorizar um lado
em detrimento de outra.
A dualidade é então simbolizada
pelo reflexo no espelho, pela outra face de si que a imagem refletida no
espelho provoca. Desta forma, podemos observar que o objeto espelho tem o poder
de realizar uma operação metafísica, podendo revelar o homem para si e em si
mesmo, o ato de pensar a si mesmo a partir do seu reflexo, pensar assim sobre
si mesmo como um outro, conflito inerente à raça humana
Essa é uma experiência real que não
ocorre no plano da ficção, revelando-se não somente no plano subjetivo (alma
interior), mas também no plano objetivo (alma exterior). As duas almas são
essencialmente inconstantes e instáveis, uma vez que a negatividade aparece na
mobilidade dos costumes, no acordo com as paixões, nas opiniões, nos
interesses, nas convenções, nas relações sociais; e na sua ausência no plano
dos afetos, dos sentimentos, numa dimensão obscura e enigmática.
Por tais razões podemos concluir que,
o conto "O espelho" é exemplar para o desenvolvimento de discussões
sobre a filosofia, a ficção e a arte, relembrado assim a articulação original
entre o pensamento trágico e a cena, expondo a própria fatalidade humana: ser
um e ser outro.
Por: Priscila de Sá Braga Fonseca
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