quinta-feira, 3 de outubro de 2013

A consciência trágica em "O Espelho", de Machado de Assis



        
Podemos articular o conceito de trágico a teoria filosófica e a ficção, e ligá-lo à tragédia, gênero literário-teatral, e por conter temas que, alimentam algum tipo de reflexão filosófica. Neste movimento que vai do primeiro ao último filósofo, o trágico de deslocou da esfera da ficção e, consequentemente, da falsidade, para a esfera da vida, da realidade, afirmando-se como ausência de fundamento. Essa nova caracterização do trágico é uma criação da Modernidade. O trágico passa então a deixar de pertencer à tragédia passando assim a se manifestar em outras formas de expressão artística.
              "O espelho", repleto de expressão formal, profunda análise psicológica e uma atmosfera pessimista e desiludida, vem marcar a segunda fase da obra de Machado, elucidando questões de natureza filosófica, como a relação entre identidade e alteridade; a vida como representação ou o mundo como teatro; a presença de uma dimensão incomunicável no ser; a alienação; a vida social condicionando o comportamento, impondo a ausência de liberdade do indivíduo e, como variação deste tema, o da ascensão social como forma de mascaramento.
           Para nossa discussão de consicência trágica, é relevante o questionamento sobre os limites entre o “si mesmo” e o “outro”, uma vez que parecemos um ser para os outros, à máscara social, a aparência, a tudo que se manifesta e na verdade somos outro ser na realidade, que está associado à sombr, o reflexo do espelho. A consciência trágica ocorre com a  ruptura com os limites do “si mesmo” que acarreta em uma integração do eu ao mundo, propiciando uma visão mais autêntica e profunda da realidade. Através desse desvelamento do ser humano o conto teatraliza a passagem de um estado a outro, da luz à sombra, da sombra à luz, e revela assim a duplicidade do ser humano, sem priorizar um lado em detrimento de outra.
            A dualidade é então simbolizada pelo reflexo no espelho, pela outra face de si que a imagem refletida no espelho provoca. Desta forma, podemos observar que o objeto espelho tem o poder de realizar uma operação metafísica, podendo revelar o homem para si e em si mesmo, o ato de pensar a si mesmo a partir do seu reflexo, pensar assim sobre si mesmo como um outro, conflito inerente à raça humana
          Essa é uma experiência real que não ocorre no plano da ficção, revelando-se não somente no plano subjetivo (alma interior), mas também no plano objetivo (alma exterior). As duas almas são essencialmente inconstantes e instáveis, uma vez que a negatividade aparece na mobilidade dos costumes, no acordo com as paixões, nas opiniões, nos interesses, nas convenções, nas relações sociais; e na sua ausência no plano dos afetos, dos sentimentos, numa dimensão obscura e enigmática.
         Por tais razões podemos concluir que, o conto "O espelho" é exemplar para o desenvolvimento de discussões sobre a filosofia, a ficção e a arte, relembrado assim a articulação original entre o pensamento trágico e a cena, expondo a própria fatalidade humana: ser um e ser outro.

Por: Priscila de Sá Braga Fonseca

Nenhum comentário:

Postar um comentário